terça-feira, 31 de maio de 2016

Tenho um decote pousado no vestido e não sei se voltas,
mas as palavras estão prontas sobre os lábios como
segredos imperfeitos ou gomos de água guardados para o verão.
E, se de noite as repito em surdina, no silêncio
do quarto, antes de adormecer, é como se de repente
as aves tivessem chegado já ao sul e tu voltasses
em busca desses antigos recados levados pelo tempo:


Vamos para casa? O sol adormece nos telhados ao domingo
e há um intenso cheiro a linho derramado nas camas.
Podemos virar os sonhos do avesso, dormir dentro da tarde
e deixar que o tempo se ocupe dos gestos mais pequenos.


Vamos para casa. Deixei um livro partido ao meio no chão
do quarto, estão sozinhos na caixa os retratos antigos
do avô, havia as tuas mãos apertadas com força, aquela
música que costumávamos ouvir no inverno. E eu quero rever
as nuvens recortadas nas janelas vermelhas do crepúsculo;
e quero ir outra vez para casa. Como das outras vezes.


Assim me faço ao sono, noite após noite, desfiando a lenta
meada dos dias para descontar a espera. E, quando as crias
afastarem finalmente as asas da quilha no seu primeiro voo,
por certo estarei ainda aqui, mas poderei dizer que, pelo
menos uma ou outra vez, já mandei os recados, já da minha
boca ouvi estas palavras, voltes ou não voltes.

 
Maria do Rosário Pedreira


https://www.youtube.com/watch?v=CMwuu0DP70o

 

domingo, 29 de maio de 2016




"Ao ergueres a tua cabana
escolhe por alicerce
a escarpa ou o vento"
Tolentino Mendonça - A Papoila e o Monge

quinta-feira, 26 de maio de 2016

quarta-feira, 25 de maio de 2016

"Se eu soubesse a palavra
Que às vezes se me anuncia num súbito silencio interior,
A que se escreve entre as estrelas
Contempladas pela noite,
A que estremece no fundo de uma angústia sem razão...
A que sinto na presença oblíqua de alguém que não está,
A que assoma ao olhar de uma criança que pela primeira vez interrogou,
Se eu soubesse a palavra"

Vergílio Ferreira

 

sexta-feira, 20 de maio de 2016

Vamos ser velhos ao sol nos degraus
da casa; abrir a porta empenada de
tantos invernos e ver o frio soçobrar
no carvão das ruas; espreitar a horta
que o vizinho anda a tricotar e o vento...
lhe desmancha de pirraça; deixar a

chaleira negra em redor do fogão para
um chá que nunca sabemos quando
será - porque a vida dos velhos é curta,
mas imensa; dizer as mesmas coisas
muitas vezes - por sermos velhos e por
serem verdade. Eu não quero ser velha
sozinha, mesmo ao sol, nem quero que
sejas velho com mais ninguém. Vamos
ser velhos juntos nos degraus da casa -
se a chaleira apitar, sossega, vou lá eu; não
atravesses a rua por uma sombra amiga,
trago-te o chá e um chapéu quando voltar.
Maria do Rosário Pedreira

 

quarta-feira, 18 de maio de 2016

A linha imaginária

O pássaro levantou voo e foi pousar no ramo acima. Teceu uma linha imaginária que nunca encontrarás. A linha dos sonhos que nunca te mostrei, e vou traçando, como o pássaro. Todos os seus sonhos voavam acima do chão sem que ninguém os visse. Também o coração palpitava cada vez que pensava nele, como um passarinho trémulo no ramo que o abriga da tempestade. Toda a vida viveu de olhos abertos ao sonho, apenas o sol entrou.
Desafio RS nº 34 –  publicado em historiasem77palavras.blogspot.pt/
 
Com uma frase de Mia Couto, do seu livro
«Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra»
É esta:
«O homem que vive em espanto deixa portas abertas no sonho.»
Que história vos surge ao ler isto? Podem usar a frase ou não.
 
 
 
 
 

sábado, 14 de maio de 2016

A pintar os sonhos

Rolou para o chão. Como por encanto, desapareceu. Era o lápis mais bonito da coleção de lápis, e tinha que suceder logo isto. Uma desgraça! Suspirou. Olhou em redor, nada! De cor tão azul, tão linda, que apenas usava para pintar o céu. É no céu que moram os sonhos. Os dias passaram e do lápis nem sinal.
No dia de aniversário. 10 anos, quem diria! O lápis estava na mesa, para pintar os sonhos, de azul
 
RS 37 - o lápis caído no chão publicado no blogue historiasem77palabras.blogspot.pt/
1) O lápis rola para o chão.      2) Alguém o apanha e guarda.      3) Aquele lápis aparece mais tarde.
O que vos surge?
 
 
Celito Medeiros - Cafe on a Rainy Day
 
 
 

quinta-feira, 12 de maio de 2016

Quem errou, então?

Era teimosa. Mais depressa partia, mas não vergava. Agora parecia que o mundo se unira para a enfrentar. Tudo corria mal. Mas continuava convicta das suas certezas. Errados estavam eles. Um dia a razão deveria acordar e veriam quem afinal era mais insano. Estava exausta. E enquanto conduzia até casa, revia todos os procedimentos que adotara. Foi a navegar contra a corrente que todas as proezas se deram ao longo dos tempos. Abriu o email. Despedida. Lia-se…

Desafio 105 - Frase de Einstein - publicado no blogue da Margarida: http://77palavras.blogspot.pt/

Conhecem esta frase de Albert Einstein?
Não há maior demonstração de insanidade do que fazer a mesma coisa, da mesma forma, dia após dia, e esperar resultados diferentes.
Que história em 77 palavras vos sugere? participem também. É muito giro