quinta-feira, 31 de outubro de 2013

A moleira

O peso da maquia castiga o corpo dorido, quando na ousadia do tempo acorda a madrugada revelada ao ouvido da noite, sem regras nem preconceitos. Leva a jumenta airosa pela rédea enquanto tece palavras vãs. Na fonte das bicas matam a sede de água. Nesse mar de confidências e desenganos termina uma etapa de vida por vezes salgada de lágrimas, outras, um susto de gratidão. A velhice adormece depois da encruzilhada no caminho que termina.
Era moleira…

Desafio nº 54 – pares de palavras com sentido contrário

publicado no blogue: http://www.77palavras.blogspot.pt/

foto:internet

Prazer

Em todas as letras meu corpo gemeu
Como em todas as noites em que te pertenceu
E da madrugada fria e nua saíram labaredas de paixão
do abismo cairam flores na tua mão
Sou tão tua como em todas as horas
em que não te encontrei dentro delas
Quando me ensinaste o prazer apenas aprendi a felicidade!

Há tanta suavidade nos gestos que não fazemos
E tanta caricia nas palavras que nos dedicamos
amar-te é o absoluto do flanar pelo mundo

Não precisamos mexer os nossos corpos para dentro de nós
Sob a pele ficou impresso a ouro mais fino o ensaio
qual moeda cunhada sem oscilações de valor nem de câmbio

Sempre que o meu corpo se eleva em direcção ao teu
e dentro de nós tudo estremece, são as entranhas que se amam
Para me curar de ti apenas tu o podes fazer
se dentro de mim permaneceres
como dois corpos em movimentos de prazer.
Se foi  nas palavras que a convulsão nasceu
e o orgasmo aconteceu.


Foto:internet



domingo, 27 de outubro de 2013

Hora de inverno

Esta é a noite em que podemos repetir
voltar atrás e começar de novo

O tempo espera por nós
com medo da mudança

Vamos também reeditar
o sonho que é só nosso

Como a corrigir o texto
das imperfeições, sublimando-o.

Maça de junho

Lição de Coisas

A exatidão serena de uma flor
Aconselha-me em vão
A encher de paz e sem amor
O revolto e impreciso coração.

Ó luz tão verdadeira,
Que dás o verde tenro e o branco puro,
Eu dava a vida inteira
Para ser monte ou muro!

Mas ao homem não valem
Desejos minerais:
Aves, flores, que se calem!
Hei-de ser como os mais.

Nem florido no orvalho como a rosa,
Nem azul como o monte arredondado.
Ó imaginação, só tu és dolorosa!
O maior mal ainda é o imaginado.

Vitorino Nemésio, Nem Toda a Noite a Vida, Lisboa, Ática, 1953


Maça de junho

sábado, 26 de outubro de 2013

Verdade

O que é a verdade?
A verdade que eu confiro ao que me dizes
não é aquela que tu me segredas;
E será que importa?
Tem dias...
O que tu me dizes
ou o que eu penso
são ambas verdades
as nossas.
E porque são de nós
são a verdade que o mundo desconhece
melhor assim!
O silêncio apenas confessa
quando os nossos olhos se abraçam.

Foto:internet


quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Viagem no tempo

A simplicidade da minha vida é a origem do meu bem estar, da minha quase permanente felicidade. Desde a infância fui habituada a dar valor às pequenas coisas. Uma couve, um fruto, uma erva, um dia de sol e um dia de chuva. As estrelas à noite e o sol quando nasce. 
Em minha casa não havia tapetes persas, nem candeeiros de lustre, nem havia candeeiros. Havia trabalho e pão e sopa na mesa. Todos trabalhavam no campo ou a ajudar a família, depois das obrigações escolares. E havia bacalhau e carne e frango assado e ovos estrelados e queijo e manteiga no pão, às refeições. 
Mas não havia birras, nem mimos de gosto e detesto.
Em criança e já adolescente não gostava de sopa de cebola, mas comia-a sem qualquer reparo. Se o fizesse teria que a repetir. Agora é uma das minhas sopas preferidas.

Tudo o que trazemos da infância acrescenta-nos e se trouxermos valores, estes ainda nos acrescentam mais alegria.
Fazia piqueniques com os amigos quando saíamos sem destino serra acima à procura de pochegas. Eram piqueniques de maças e pão. Outras vezes nozes e figos secos, outras ainda de azeitonas e broa de milho. Outras era com o que se apanhava pelo caminho. Os caminhos tinham nome, o caminho da fonte, o caminho do souto, o caminho das serôdias, ou o caminho da escola.
Havia os piqueniques (as merendas e os almoços) das tarefas agrícolas, em que se faziam as refeições na leira. Semear batatas, a vindima,  as ceifas dos cereais, as regas. 
Guardo com ternura as memórias destes momentos. Continuo no culto dos afetos, do convivio, a toalha estendida, da merenda na sombra, do lanche na praia, qualquer coisa para petiscar. Continuo na mesma senda. Um café e umas bolachas. Um chá e uma compota a barrar as tostas, enfim, mais uma vez os afetos embrulhados num mimo.
Nessa casa também havia livros e jornais. Os jornais por vezes tinham semanas, mas liam-se na mesma. O importante era conhecer o mundo e abraçar o infinito e não as noticias em si.
As crianças liam em voz alta para os adultos, ao serão. E nas tardes frias do inverno, liam enquanto as mulheres faziam malha, meias para os seus homens e camisolas para as crianças.
E ler era sonhar, com os dias do futuro, com uma lua cheia de ternura e os dias eram leves como o vento da primavera, e a vida fluía como se esperasse o barco do amor. 
Agora o barco chegou ao cais e apenas se vê um fio do horizonte, obrigando o viajante a pernoitar no bosque da saudade e  guardar segredo de tudo o que não foi dito. E do tormento da noite retira o rumo de um olhar que ficou inundado de gotas salgadas e quentes. Por fim caiu, gemeu e adormeceu na margem do amanhecer.

Foto:internet



segunda-feira, 21 de outubro de 2013

domingo, 20 de outubro de 2013

Para ti,

Os momentos inesquecíveis
são a dádiva
da chuva e do sol
para o arco íris
e depois entre as nuvens
fica a saudade

Foto:Maçadejunho






quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Meretriz

As horas na curva da vida
soltam o que a alma lembra,
como imagens vivas
a ave não morre de amores.
impede a cada anoitecer
a solidão que lhe sorri,
em cada amanhecer
na calçada humilhada das misérias...
E aquieta num rasgo de tempo
ignorado, o sustento.
É um meio ou um fim imediato
insensato e sem futuro.
Engana por fora para mimar por dentro
no seu coração.

Foto:internet


terça-feira, 15 de outubro de 2013

O boião mágico

Venho falar de um livro que me fascinou. Um livro infantil. Eu leio livros infantis. Leio muitos, muitas vezes. Tenho um filho e se quero saber conversar com ele sobre o que aprende, sobre aquilo que o perturba, ou sobre aquilo que desconhece, tenho que saber o máximo sobre o que ele faz, vive e aprende. Partilhamos brincadeiras, livros e histórias e assim eu continuo a sonhar como menina inocente e protegida do mundo, e ao mesmo tempo sinto-me mais segura para poder contrariar ou apoiar o filho.

Com uma criança em casa, os livros infantis proliferam,  assim como os legos, os puzles, as bolas e os carrinhos. Para tudo há os seus momentos e o certo é que nos divertimos imenso (eu e ele) em ser assim.

Agora deparo-me com uma criança que lê compulsivamente. Ando um pouco à toa, porque acho que lê demais, mas não posso censurar a atitude, porque posso desmotivá-lo da leitura. Andaremos e veremos. Fomos reforçar o nosso stock de livros e achamos por bem comprar este de que vou falar. O filho comentou o seguinte: -levamos, mãe e se for muito infantil, oferecemos no Natal a uma criança!

Descubro também a forte consciência social desta criança e fico perturbada.
Mas voltando ao livro, eis que já nos apaixonamos por ele. Quando pergunto ao filho se o podemos oferecer, ele responde: - Este fica para mim, podemos comprar mais...

O livro é uma ternura. É um livro de coragem, de pensamento em movimento, de reciclar, de proteger o meio ambiente, de afeto, do medo e da tristeza e de estratégias para reciclar o que pensamos, é um livro que ensina magia e é mágico. Foi escrito por mãos mágicas e por alguém com um coração imenso. A Margarida da Fonseca Santos é a rainha maga que apenas coloca no mundo a amizade, o carinho, o respeito pelos outros e por aquilo que se pode fazer aos outros. A Margarida é a amiga que todos gostamos de ter, e todos aqueles que tiverem um coração aberto aos sentimentos bons, ganham a amizade dela. Nós já a ganhamos, agora temos que trabalhar todos os dias para a continuar a merecer.








segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Clandestina

O olhar descarado desnudava-lhe as pernas quando passava ao longo da linha de vedação. Os princípios éticos perdera-os no momento em que foi ocupar a torre nascente, para vigilância da cortina de ferro. O passo apressado realçava o drapeado da capulana. Tinha por companhia o coaxar das rãs e o filho que transportava no ventre. Jogo de fugas, clandestinidade, contrabando, vale tudo. A sedução é o mais eficaz. E o tráfico de soro para a indústria farmacêutica.

Palavras retiradas do dicionário sendo a sétima palavra da primeira coluna de uma página aberta à sorte: Capulana, descarado, ético, filho, nascente, rã, soro

Desafio Rádio Sim nº 6 em 77 palavras – publicado no blogue http://77palavras.blogspot.pt/


Foto:internet



quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Doença

Senhor doutor
tenho uma dor,

Uma dor?
Consultas, exames,
rotinas e marcações
um rol de lamentações!

Ecografia e raio xis,
que afinal nada diz

Impossível! Adoeço
e sem saber, aborreço,
que tenho eu afinal
só me resta o hospital!

Ressonância?!
Já me espera a ambulância ...

Repete a consulta
mas nada resulta
bastante, é no corpo e na alma
é doença!

Sofoco de dor
Será grave, doutor?

Encefalograma e um diagrama
e a colonnoscopia ... senhor!
as entranhas estremecem
e a cura esmorece

Não aguento tanto
será triste este pranto...

Analisa o sangue
o coração e as enzimas
recolhe a urina
e lê o nível das proteínas

Relatório final
doença fatal!

Serão uns tormentos
sem ter tratamentos
A doença é só uma afinal,
É Amor!

Rosa "roubada" do jardim  de um Amigo




terça-feira, 8 de outubro de 2013

As letras corriam por entre espaços e ideias vãs, formavam palavras e construíam paredes
que subiam por entre metáforas e significados, para tingir de cor a palidez da folha



domingo, 6 de outubro de 2013

Porto

O convite chegou. Há dias em que preciso de ser empurrada. Não estou bem, mas nada consigo fazer para contrariar esse estado. Hoje foi assim. 
As incertezas deste país, a fragilidade com que se vive o dia a dia, a espada constante que paira por cima da cabeça de quem ainda tem trabalho. 
Tudo isto me angustia. 
Procuro palavras que me consolem. Procuro ideias que me apaziguem. Por vezes lá acontece. Um post amigo que nos enriquece ou até aquece o coração, e porque não! Um sorriso, uma ideia, uma flor ou uma música. Há coisas tão simples que fazem tanto por nós!
Mas outras vezes só encontramos palavras azedas, criticas, impaciência, pouco caso.
Refugio-me nos livros sempre que posso. Sempre fui assim. Sou como a avestruz. Mas quando emerjo continua tudo igual ou pior...
Não sei fazer nada por interesse material, nunca faço nada a procurar tirar benefícios das minhas ações. Sei que estou errada. Sei que só perco em ser assim. Sei que ninguém é assim. Sou totó eu sei!

Além do mais o estudo que faço de escrita criativa, não corre nada bem. Tudo se relaciona. Quando se está murcho e em vez de sentirmos as gotas frescas de orvalho, sentimos a asfixia da perda, da solidão ou do isolamento, é uma continuidade negativa de momentos que se acumulam e fazem com que tudo se torne uma perda de tempo.
E o tempo é um bem escasso, e não renovável.

Depois o telefone tocou. Não me apetecia atender, nem falar. Mas tocava, insistente, parecendo teimoso, e com toque urgente. O toque é sempre igual, eu é que oiço de forma diferente, consoante o desejo que me toma de ser ou não "incomodada".
E achava eu seria "icómodo"!. Mas atendi. Por educação. Por respeito. Por amizade. Sei lá! Por solidão, talvez!
E veio o convite.
Um dia lindo! Uma tarde que não se poderia perder!
Uma perda para a alma e o corpo, não aproveitar o calor e os raios de sol do outono para passear! 
E um café junto ao rio seria tão bom!
Blá, blá, blá...
Os argumentos para o não fazer eram ténues. Tinha que calçar as sapatilhas. Estava a tentar fazer um exercício de escrita. Precisava ler umas coisas. Tinha roupa para passar a ferro. Estava cansada. 
Discurso que não foi aceite pela outra parte e ainda bem.
E eu aceitei sair.



Mas coloquei uma condição que pensava seria desmotivadora para o interlocutor. Irmos a pé. Aceitou de pronto!
Perdi nos argumentos...
Levei a máquina fotográfica. O fim de tarde estava lindo! Seriam apenas os meus olhos que viam assim?

Só se vê bem com o coração, dizia o príncipezinho 
Mas o meu coração tem cataratas. Só pode!


Andamos. Descemos daqui em direção ao rio. 
Calmo, azul, suave na paisagem que se estende até ao casario da outra margem.
As gaivotas esvoaçavam. Os barcos turisticos aproximavam-se do fim da viagem. O sol aquecia-me o rosto e o sorriso começava a surgir nos meus olhos. 
A minha felicidade vê-se se os meus olhos sorrirem.
Caminhamos por mais de duas horas, ora em direção à foz, ora em direção a nascente do rio. 
Este rio que é douro e que muitas vezes pinta de doçura e cores suaves os meus pensamentos.
Tomamos café. Conversamos sobre as mudanças no mundo. Sobre a educação das pessoas. Sobre o outono, as cores, o mel, as abelhas e o pensamento de Einestein: Quando as abelhas se extinguirem da face da terra, o homem tem apenas mais quatro anos de vida.

Regressei a casa, mais serena apenas!


sábado, 5 de outubro de 2013

Adivinho-te

Adivinho-te nas ondas que suavemente se deitam
sob nuvens de ternura, despidas de vento e envoltas
em suaves raios de sol;

Adivinho-te no sol de outono, morno, que me aquece
e no meu rosto trespassa o calor do teu corpo
esculpido em duros traços de luz;

Adivinho-te sempre que vens dentro de um sorriso
mesmo quando apenas no sonho da noite
que não me ensinas a prolongar;

Adivinho-te nas palavras escritas
que vão ao teu encontro loucas de ansiedade
e esmorecem caídas como pálidas folhas;

Adivinho-te na minha timidez que ousa
encontrar-te nesse ribeiro de água cristalina
que percorre o leito pedregoso e sombrio;

Adivinho-te quando fecho os olhos
para simplesmente não verem a dor
das carícias que murcham nos dias que findam.


quinta-feira, 3 de outubro de 2013

S

S de silêncio e de sabedoria
sedimentada no tempo e não apenas alegoria;
S é a letra do saber, do integral conhecimento,
da aprendizagem diária e do seu reconhecimento;
Esse teu lado menos majestoso, magnânimo, delicado,
existe sim, quem não o tem?
Não o reconhecer é que seria imoral!
Safado é ser atrevido, divertido e insolente até
mas não vejas um defeito onde se encontra algo diferente.
Um ser vil e desprezível pode ser definição
que não se aplica aquele que nos mostra o coração.
Devasso e libertino cabe nas silabas do S
No silêncio de um poema, de beijos avassaladores!
Negar seria impossível, pensamentos sedutores
que levados ao limite, fazem nascer o sensual,
safado porque se perdem em negar o inegável
e na simbiose erótica, o prazer é inexplicável.
Safado também é estar gasto pelo uso
Quem diria: na experiência do sentir
negar o doce delírio seria mentir!






quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Cidade de desalinhados

Amanhece e à primeira hora da manhã a calma entorpece os sentidos. Na rua apenas um carro.
Ao longe o vulto desaparece em segundos. Apenas dois transeuntes por entre as três árvores despidas e de ar triste, que compõem os quatro cantos do cruzamento. A quarta árvore caíra com o rigor do inverno passado.
Por volta das cinco horas tudo será diferente nesta artéria da cidade. Os seis moradores do terceiro andar, descem para a missa vespertina e na quinta estação tomam o seu café diário, enquanto esperam o toque dos sete sinos que a cada oito dias muda o som. Assim é desde que o sexto vigário o ordenou.
Passaram nove minutos desde que abri a cortina e me entretenho a divagar sobre a vida na sétima avenida, um albergue de desalinhados da vida, de gente velha e coração renovado, com a oitava da vida vencida. Agora são já muitos os carros que passam, conto dez. Fecho a cortina e volto ao meu caderno enquanto escuto a nona sinfonia. A décima para mim será sempre um imposto!

Elaborando um texto de escrita criativa em que se utilizaram os numerais ordinais e cardinais de umdez.






terça-feira, 1 de outubro de 2013

A amizade é como uma pauta de música que se compõe devagar, com pausas e semibreves, com bemóis e colcheias. Nos sorrisos escreve poemas e constrói um momento musical no silêncio de cada um, respeita o ritmo e os tempos. Partilhando afetos, desabafos e conhecimentos, fazendo parte de uma orquestra desalinhada por vezes, mas onde impera a harmonia, a melodia e o ritmo. E quando o ruído magoar procuram-se novas sonoridades e nascem prelúdios tolerantes e criativos.









Publicado no blogue: http://77palavras.blogspot.pt/
Desafio nº52 - Uma história em 77 palavras com música, ruído e silêncio