quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Traduzir-se

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?



segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar....
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos..."


Manoel de Barros - poeta brasileiro, falecido em 13 de Novembro de 2014

 

terça-feira, 8 de novembro de 2016

O cavaleiro

Estava mais escuro do que era habitual por causa da neve espessa que cobria tudo. Resistiu à tentação de desembainhar a espada. E sorriu.  Não se deixaria abater. Avançaria sem medo! A sua paixão pela história que se esconde em cada selo, o amor que cada carta transporta, a magia que exerce cada selo, à chegada do correio-mor,  os melhores  escudos, para se defender. Conciliando os relapsos, com certeira mestria, era uma fraqueza sua ou do atacante?

Em 77 palavras uma história de filatelia e cavaleiros em que a frase final é: "era uma fraqueza sua ou do atacante?"
 publicado no blogue historiasem77palavras.blogspot.pt


domingo, 30 de outubro de 2016

A esperta no baile

Tão estúpida que se esqueceu do casaco escuro para combinar com o vestido claro. Tem a mania que é esperta e não há meio de mexer- se. 
Mexe-te mulher, senão perdes o metro, claro. O guarda-chuva vai, o céu está tão escuro...
Até pareço adivinha do tempo, tão esperta, me saio!
Sou é prevenida, claro!
Prevenida, esperta, estúpida, tudo um pouco como qualquer ser humano.
No baile mexer-se-à, nada de escurecer a vista, perante ano cheio estupidez dos outros.

Desafio 112 - www.historiasem77palavras.blogspot.pt
Palavras obrigatórias no texto repetidas 3 x:
Claro
Escuro
Estúpido
Mexer
Esperto

São aceites variações nas palavras.

O homem que já não sou

"O homem que já não sou

não me olhes agora que estou
mais velho e não correspondo em
nada ao homem que
amaste, procura encarar a tristeza
sem me incluíres, seria demasiado
cruel que me usasses para a
dor. para ti
quis trazer as coisas mais belas
e em tudo o que fiz pus o
cuidado meticuloso de quem
ama. não me obrigues a cortar os
pulsos quando fores num minuto ao
jardim com o cão

esta noite, sem notares, sustive a
respiração e quase morri. não deste
por nada. julgaste que voltei a
ressonar e até terás esboçado um
sorriso. e se eu pudesse morrer
enquanto sorris, pergunto

deixo para depois, ou talvez
desista. mas não pode ser se
tu me olhares em busca de tudo o que
já não existe. não pode ser, levo a
faca maior para debaixo do meu
travesseiro, juro-te que me
mato se continuares assim "

valter hugo mãe, in contabilidade

https://m.youtube.com/watch?v=Ti4DCY6Bop0

sábado, 22 de outubro de 2016

Ressurreição

Porque a forma das coisas lhe fugia,

O poeta deitou-se e teve sono.

Mais nenhuma ilusão apetecia,

Mais nenhum coração era seu dono.

 

Cada fruto maduro apodrecia;

Cada ninho morria de abandono;

Nada lutava e nada resistia,

Porque na cor de tudo havia outono.

 

Só a razão da vida via mais:

Terra, sementes, caules, animais

Descansavam apenas um momento.

 

E o vencido poeta despertou

Vivo como a certeza dum rebento

Na seiva do poema que sonhou.

Miguel Torga, Libertação

 

Saudade

Saudade — O que será... não sei... procurei sabê-lo
em dicionários antigos e poeirentos
e noutros livros onde não achei o sentido
desta doce palavra de perfis ambíguos.

Dizem que azuis são as montanhas como ela,
que nela se obscurecem os amores longínquos,
e um bom e nobre amigo meu (e das estrelas)
a nomeia num tremor de cabelos e mãos.

Hoje em Eça de Queiroz sem cuidar a descubro,
seu segredo se evade, sua doçura me obceca
como uma mariposa de estranho e fino corpo
sempre longe — tão longe! — de minhas redes tranquilas.

Saudade... Oiça, vizinho, sabe o significado
desta palavra branca que se evade como um peixe?
Não... e me treme na boca seu tremor delicado...
Saudade...

Pablo Neruda
In Crepusculário

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Diálogo

Ora bem, cose a soca, sapateiro remendão.
—Agora escreves ditados populares?
Olá! Não! Tenho asco aos ditados, cheios de erros, emendas e trapalhices. Escrevo cartas. Umas letras vãs...
—Ah! Cola no selo e depois de seco, marco do correio com elas!
—Não. São para guardar num laço. Memórias de outros tempos. São vidas...
Ecos do passado, então?!
—Lá vens tu com a mania de meter tudo no mesmo saco! São os desafios que lês em 77 palavras.

Desafio RS 42
Com a palavra escola, construir outras palavras.
(Cose, soca, cola, lês, olá, seco, selo, saco, asco, laço, ecos)

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Cada problema uma solução


Para cada problema há sempre uma solução, quando não, várias! Mas para o dia de hoje um refúgio, isolado, no meio da natureza, teria evitado que a decisão lhe caísse com a força de um martelo. Pensava assim durante a viagem de Espinho ao Porto. Dando voltas ao texto que o computador teimara em lhe esconder e fazendo deste assunto, um tratado. Olhou pela janela e do jardim desmembrado viu uma rosa linda, parecendo que lhe sorria...

Desafio 110 - 8 palavras obrigatórias
Rosa, desmembrado, espinho, martelo, refúgio, solução, problema.

77 palavras.blogspot. pt

No teatro


—O pó vai voar pelas ameias. Se não tira teias... Tanto limpou. Tantas aranhas! 
Eram cinco homens puxando carroças, velharias. Afinal teatros, declamar histórias!
—És uma bela atriz. Faz dela vidas, palcos, ovações.
Como sabes, sempre pisaram estrados tiranetes,  caminharam simultâneas tempestuosas infelicidades.
—Há voz doce. Há voz alta. Há voz pela calma. 
—Deixa poeira acalmar.
—Não pede palmas. Não quer 
Quer viver sempre teatral.
—para poder morrer bastava declamar.
—por hoje fecha. Amanhã ensaias.
—és boa moça!

Publicado em 77palavras.blogspot. pt

Desafio com palavras de numero de letras crescente em cada frase.

domingo, 9 de outubro de 2016

Pensamento

Li esta frase numa assinatura de mail:

"Disappointment to a noble soul is what cold water is to burning metal; it strengthens, tempers, intensifies, but never destroys it"

sábado, 8 de outubro de 2016

Um poema

Coimbra, 7 de Outubro de 1979.

UM POEMA

Não tenhas medo, ouve:
É um poema.
Um misto de oração e de feitiço...
Sem qualquer compromisso,
Ouve-o atentamente,
De coração lavado.
Poderás decorá-lo
E rezá-lo
Ao deitar,
Ao levantar,
Ou nas restantes horas de tristeza.
Na segura certeza
De que mal não te faz.
E pode acontecer que te dê paz...

Miguel Torga  - Diário XIII

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Já sou crescido

10 anos. Vou mudar de escola. Um novo ano. Tudo desconhecido. Um grande desafio. 11 disciplinas. Outros tantos professores. Uma mochila carregada de livros novos, cadernos de vários formatos, estojos de lápis, réguas, esquadros. Um horário complexo, entrada muito cedo e saidas ao fim do dia.
Tudo para sofrer um grande desgosto. Mas não. Estou a adorar. É uma escola de meninos grandes. Uma escola imensa, de corredores compridos e dezenas de portas.
Já me sinto crescido!

Escritiva 12 - historia sobre a escola em 77 palavras

www.77palavras.blogspot.pt

Adolescente tipo

—Boa noite, linha 111, atendimento permanente a mães analfabetas, de adolescentes modernos:
—Boa noite, preciso de ajuda para compreensão do dia do meu filho. À minha pergunta: " como te correu o dia", respondeu:

—Ya, foi fixe! No autocarro peguei cola na fila com o Manu. Quando chegamos à escola, a malta já tava a dar estrilho e não sei quê. Mas tá-se. Ao fim do dia fiquei mais um coche, a ver umas cenas, tipo, sabes como.

Desafio 111 - uma história em 77 palavras que identifique a linha 111 como apoio ao tema da história.

www.históriasem77palavras.blogspot.pt

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Fernando Pessoa

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que sogue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.

Fernando Pessoa

terça-feira, 30 de agosto de 2016

Jogos olimpicos

Sem te levantares do teu cómodo sofá, sem esticares um único dedo, mas exausto pelo esforço dos atletas, transpirado perante a visão do suor a escorrer pelo corpo musculado e tenso; esta mensagem é para ti, amante dos JO, que estimulas atletas no triplo salto, no triatlo, na natação, emocionas-te na chegada da prova de marcha e na ginástica artística:
> "A competição sadia entre os cinco continentes, ganham os melhores, quem é mais rápido, mais alto, mais forte."

Escritiva, mandar a mensagem numa garrafa.

Publicado em historiasem77palavras.blogspot. pt

O mar!

A praia é o seu refúgio. É lá que encontra solução para os seus problemas. E hoje em especial que se sente como um animal desmembrado.  Poderia fazer um tratado sobre os espinhos da vida. Em vão. Em todos os jardins há rosas despidas de interesse. Até neste que dizem ser plantado "à beira-mar". As ondas rebentam na areia, fortes, desfazendo-se em espuma branca. Mas o som do martelo continua a ecoar dentro de si. O mar!

Uma história em 77 palavras, usando obrigatoriamente as palavras
Martelo / rosa/ desmembrado
Espinho / refúgio/solução /

Publicado no blogue historias em 77 palavras

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Noite

Noite que avanças ao longe
Correndo por cima do mar
Encontras o frio que encerra
Tanto do teu olhar

Noite que gritas nas trevas
Impaciente no desejo que trazes
Escuta o silencio das feras
Escondidas para atacar.

Noite que enches o mundo
De escuros caprichos egoístas
Deixa crescer as estrelas
E namoradas pelo luar.

@macadejunho

domingo, 24 de julho de 2016






Trabalho a partir da existência da luz
E de certos minerais
Mesmo se não mereço a matéria luminosa
Da terra soprada donde o homem vem. A ânfora, o vidro. E recolho
O fogo...
Quando como no princípio a manhã se abeira
Trabalho a partir da ceifa matinal. Experimento
A paveia antiga do homem vergado, o rumor enxugado do líquido
Na névoa, no orvalho, na carne
Da palavra calculando o voo
Pelo reflexo sobre as águas: no início
Trabalho na água que a voz movimentou
Gerando os sismos: e sou
O húmus, o barro nas margens
O homem que nunca compreendeu.


Daniel Faria, poesia (2012)






«Era como uma árvore da terra nascida
Confundindo com o ardor da terra a sua vida,
E no vasto cantar das marés cheias
Continuava o bater das suas veias.
...
Criados à medida dos elementos
A alma e os sentimentos
Em si não eram tormentos
Mas graves, grandes, vagos,
Lagos
Reflectindo o mundo,
E o eco sem fundo
Da ascensão da terra nos espaços
Eram os impulsos do seu peito
Florindo num ritmo perfeito
Nos gestos dos seus braços.»

Sophia de Mello Breyner Andresen
Obra Poética I


https://youtu.be/xpFASRclZpc

domingo, 26 de junho de 2016

Santos populares

É noite de Santo António,
De arcos e de balões
De sardinha cor de prata
Das marchas  e dos foliões

Na noite de Santo António,
Meninas vamos marchar
Leva o manjerico na mão
Para um noivo encontrar

No S. João há cascatas
Alho porro, manjerico
Saltas as fogueiras na Lapa
Nas Fontainhas bailarico

O S. Pedro é na Afurada
Com fogo a cair para o rio
Vou comprar um manjerico
Pois em casa é que não fico.
 
@maçadejunho
 
Escritiva nº9 - Santos populares com obrigatoriedade de usar as palavras: bailarico, fogueira, sardinhas, manjerico, marchas balões;
 
 
 
 
 

terça-feira, 21 de junho de 2016

PRESIDENTE DA REPÚBLICA VAI INAUGURAR O ESPAÇO MIGUEL TORGA NO PRÓXIMO

DIA 4 DE JULHO

Sua Excelência, o Presidente da República, Prof. Doutor Marcelo Rebelo de Sousa, vai inaugurar oficialmente, pelas 15H00 no próximo dia 4 de Julho, o Espaço Miguel Torga em S. Martinho de Anta.

A presença do senhor Presidente da República no “Reino Maravilhoso”, vai sublimar o papel de multiculturalidade, arte e serviço educativo que este equipamento está agora em condições de desempenhar, no território e no país.


 

sábado, 11 de junho de 2016

uma lista


Abriu o email e leu:
«manda-me as listas até às 20»
Era impossível. Tudo atrasado. E agora as listas. Ignorar. Isso não! Seria desleal. Mas estava muito apertado. Antes precisava confirmar se todos os doentes internados tomavam morfina e em que dose. Foi ver a lista. Fazer listas depende de consultar outras listas. Em breve os doentes deixariam de ser pessoas, passariam a listas, de espera, de alta, de visitas. A vida resume-se a isto uma lista!

escritiva 7 - fazer listas
publicado no blogue historiasem77palavras.blogspot.com

 

sexta-feira, 10 de junho de 2016


Era preciso agradecer às flores
Terem guardado em si,
Límpida e pura,
Aquela promessa antiga
Duma manhã futura.

Sophia de Mello Breyner Andresen


https://youtu.be/dGImpKniRAE

quinta-feira, 9 de junho de 2016

Distância

Entro no teu quarto como se...
entrasse no mar. Um temporal de perguntas
enrola os teus cabelos. Lanças-te
contra as ondas de um sonho antigo,
e abres a porta da varanda
para te sentares à cadeira
do oriente, apanhando o vento
da tarde. "Não te levantes, digo,
e deixe que os teus olhos se libertem
de sombra, depois de uma noite
de amor, para me abrigarem
da luz estéril da madrugada". Mudas
de posição, como se me tivesses
ouvido; e o teu corpo enche-se
de palavras, como se fosses
a taça da estrofe.


Nuno Júdice

 

O meu amor não cabe num poema ― há coisas assim,
que não s...e rendem à geometria deste mundo;
são como corpos desencontrados da sua arquitectura
os quartos que os gestos não preenchem.
O meu amor é maior que as palavras; e daí inútil
a agitação dos dedos na intimidade do texto ―
a página não ilustra o zelo do farol que agasalha as baías
nem a candura a mão que protege a chama que estremece.
O meu amor não se deixa dizer ― é um formigueiro
que acode aos lábios com a urgência de um beijo
ou a matéria efervescente os segredos; a combustão
laboriosa que evoca, à flor da pele, vestígios
de uma explosão exemplar: a cratera que um corpo,
ao levantar-se, deixa para sempre na vizinhança de outro corpo.
O meu amor anda por dentro do silêncio a formular loucuras
com a nudez do teu nome ― é um fantasma que estrebucha
no dédalo das veias e sangra quando o encerram em metáforas.
Um verso que o vestisse definharia sob a roupa
como o esqueleto de uma palavra morta. nenhum poema
podia ser o chão a sua casa.

MARIA DO ROSÁRIO PEDREIRA - O canto do vento nos ciprestes


 

quarta-feira, 8 de junho de 2016

Um fruto

És como um fruto, que se apanha pela manhã,
quando a brisa refresca e o sol se vai insurgindo
por entre as ramagens. Um fruto ora doce, ora amargo,
ora maduro, ora verde. Que dá vontade de trincar num dia
quente de verão. De descaroçar e comer suavemente, de lamber
a pele ou chupar o suco sumarento que escorre
da polpa volumosa e madura. És um fruto que dá
vontade de saborear lentamente, em pequenas porções.
Como ouvir-te falar. Também é saborear da tua sensibilidade
da tua sageza, do ar que os teus pulmões transportam.
Em ti tudo é um fruto que sacia a fome, de rir, de aprender,
de crescer, de amar. A retidão do espírito envolta na polpa madura
que apenas uma boca fecunda prova. Nos dias em que a romã se desprende
da árvore que  a segura, ou a framboesa humedece as mãos
que a seguram,  ou os lábios que provam da uva que se desfaz em néctar.
Provar-te, é conhecer dos figos mais doces, das amoras mais frágeis,
das tâmaras mais suaves ou da amêndoa  de fruto carnoso. É receber a
luminosidade da manhã, e o encanto do entardecer entre a brisa do mar
e a suave aragem de uma serra. É segurar o fruto nas mãos e deixar
o olhar contemplar o prazer que antevê no deleite da degustação.
@maçadejunho



 
 


 

terça-feira, 7 de junho de 2016

Deixa-me dizer-te do cheiro da terra
dos vasos que hoje mudei e das orquídeas
 que hão de florir no inverno. Serão para ti,
testemunhas do amor que ficou preso nas raízes.
Em cada haste haverá um pouco da nossa história,
até daquela que não fala de amor.
E hoje quando abrires o livro para ler
 "que a manhã afasta as incertezas"
onde o silêncio caiu nada morre de abandono
nem eu. Nem ninguém adivinhará quantas primaveras
já vivemos, antes de morrer por ti de amor.
A vida nasce a cada amanhecer entre lençóis de linho
e alfazema de cor suave, nos aromas dos amores imperfeitos.
Mas à noite, é sempre à noite, quando
me vestir para ti e adormecer no sono inacabado
ficarei fria e esquecerei de ir apanhar as orquídeas para levar.
Vai ver os vasos e não os regues mais. Se morrerem podem
dizer ter sido à míngua desse amor que os amantes levaram.

@maçadejunho
 
 
https://youtu.be/lGlEj5z6_ks
 






segunda-feira, 6 de junho de 2016

A manhã nascia tranquila
E eu sonolenta
à procura de encontrar esperança
onde sei me espera decepção
Peguei no bule e enchi com água...
Coloquei afeto e tranquilidade na fervura
e descansei.
Quando destapei,
saíram flores, suaves e perfumadas.

E lá vou eu colorir o meu dia!
@maçadejunho

https://youtu.be/NHvabdxp4BI




domingo, 5 de junho de 2016

O pastel de feijão

A fila na pastelaria não parava de crescer. Responsável por tanta correria e tanta clientela era uma réplica da descoberta feita pelo pasteleiro chefe. Assistiu a uma palestra e de imediato se lembrou de publicar o seu livro de receitas. Na vitrine, um exemplar de capas elegantes e letras em dourado, resplandecia sob a luz de uma lamparina. Pregado no avental com uma presilha, podia ver-se a proclamação da arte que o fez famoso: pastel de feijão.

Desafio nº 107 - com as letras PLR encontrar 10 palavras diferentes e com elas construir um texto em 77 palavras
o meu ficou assim e está publicado no blogue: historiasem77palavras.blogspot.com





 


A minha rosa desprotegida

 

sábado, 4 de junho de 2016

JORGE PALMA

4 de junho de 1950, nascia em Lisboa, Jorge Manuel de Abreu Palma. Muitos não saberão quem é, mas todos nós, já algum dia o ouvimos. Por vezes parece que canta apenas para mim, como nesta música, uma das minhas preferidas e que me inspirou no nome do blogue:

https://youtu.be/Ssel_pswxvc

sexta-feira, 3 de junho de 2016

«Saberás que não te amo e que te amo
pois que de dois modos é a vida,
a palavra é uma asa do silêncio,
o fogo tem a sua metade de frio.

Amo-te para começar a amar-te,
para recomeçar o infinito
e para não deixar de amar-te nunca:
por isso não te amo ainda.

Amo-te e não te amo como se tivesse
nas minhas mãos a chave da felicidade
e um incerto destino infeliz.

O meu amor tem duas vidas para amar-te.
Por isso te amo quando não te amo
e por isso te amo quando te amo.»

Pablo Neruda, in "Cem Sonetos de Amor"

 

quarta-feira, 1 de junho de 2016

PARQUE INFANTIL

Joga a bola, menino!
Dá pontapés certeiros
Na empanturrada imagem...
Deste mundo.
Traça no firmamento
Órbitas arbitrárias
Onde os astros fingidos
Percam a majestade.
Brinca, na eterna idade
Que eu já tive
E perdi,
Quando, por imprudência,
Saltei o risco branco da inocência
E cresci.


MIGUEL TORGA in, Diário VII, 1956, Coimbra


 
Por muito que pense e pense
No que nunca me disseste,
Teu silêncio não convence.
Faltaste quando vieste.
...
Fernando Pessoa in Quadras e Canções de Beber

 

terça-feira, 31 de maio de 2016

Tenho um decote pousado no vestido e não sei se voltas,
mas as palavras estão prontas sobre os lábios como
segredos imperfeitos ou gomos de água guardados para o verão.
E, se de noite as repito em surdina, no silêncio
do quarto, antes de adormecer, é como se de repente
as aves tivessem chegado já ao sul e tu voltasses
em busca desses antigos recados levados pelo tempo:


Vamos para casa? O sol adormece nos telhados ao domingo
e há um intenso cheiro a linho derramado nas camas.
Podemos virar os sonhos do avesso, dormir dentro da tarde
e deixar que o tempo se ocupe dos gestos mais pequenos.


Vamos para casa. Deixei um livro partido ao meio no chão
do quarto, estão sozinhos na caixa os retratos antigos
do avô, havia as tuas mãos apertadas com força, aquela
música que costumávamos ouvir no inverno. E eu quero rever
as nuvens recortadas nas janelas vermelhas do crepúsculo;
e quero ir outra vez para casa. Como das outras vezes.


Assim me faço ao sono, noite após noite, desfiando a lenta
meada dos dias para descontar a espera. E, quando as crias
afastarem finalmente as asas da quilha no seu primeiro voo,
por certo estarei ainda aqui, mas poderei dizer que, pelo
menos uma ou outra vez, já mandei os recados, já da minha
boca ouvi estas palavras, voltes ou não voltes.

 
Maria do Rosário Pedreira


https://www.youtube.com/watch?v=CMwuu0DP70o

 

domingo, 29 de maio de 2016




"Ao ergueres a tua cabana
escolhe por alicerce
a escarpa ou o vento"
Tolentino Mendonça - A Papoila e o Monge

quinta-feira, 26 de maio de 2016

quarta-feira, 25 de maio de 2016

"Se eu soubesse a palavra
Que às vezes se me anuncia num súbito silencio interior,
A que se escreve entre as estrelas
Contempladas pela noite,
A que estremece no fundo de uma angústia sem razão...
A que sinto na presença oblíqua de alguém que não está,
A que assoma ao olhar de uma criança que pela primeira vez interrogou,
Se eu soubesse a palavra"

Vergílio Ferreira

 

sexta-feira, 20 de maio de 2016

Vamos ser velhos ao sol nos degraus
da casa; abrir a porta empenada de
tantos invernos e ver o frio soçobrar
no carvão das ruas; espreitar a horta
que o vizinho anda a tricotar e o vento...
lhe desmancha de pirraça; deixar a

chaleira negra em redor do fogão para
um chá que nunca sabemos quando
será - porque a vida dos velhos é curta,
mas imensa; dizer as mesmas coisas
muitas vezes - por sermos velhos e por
serem verdade. Eu não quero ser velha
sozinha, mesmo ao sol, nem quero que
sejas velho com mais ninguém. Vamos
ser velhos juntos nos degraus da casa -
se a chaleira apitar, sossega, vou lá eu; não
atravesses a rua por uma sombra amiga,
trago-te o chá e um chapéu quando voltar.
Maria do Rosário Pedreira

 

quarta-feira, 18 de maio de 2016

A linha imaginária

O pássaro levantou voo e foi pousar no ramo acima. Teceu uma linha imaginária que nunca encontrarás. A linha dos sonhos que nunca te mostrei, e vou traçando, como o pássaro. Todos os seus sonhos voavam acima do chão sem que ninguém os visse. Também o coração palpitava cada vez que pensava nele, como um passarinho trémulo no ramo que o abriga da tempestade. Toda a vida viveu de olhos abertos ao sonho, apenas o sol entrou.
Desafio RS nº 34 –  publicado em historiasem77palavras.blogspot.pt/
 
Com uma frase de Mia Couto, do seu livro
«Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra»
É esta:
«O homem que vive em espanto deixa portas abertas no sonho.»
Que história vos surge ao ler isto? Podem usar a frase ou não.
 
 
 
 
 

sábado, 14 de maio de 2016

A pintar os sonhos

Rolou para o chão. Como por encanto, desapareceu. Era o lápis mais bonito da coleção de lápis, e tinha que suceder logo isto. Uma desgraça! Suspirou. Olhou em redor, nada! De cor tão azul, tão linda, que apenas usava para pintar o céu. É no céu que moram os sonhos. Os dias passaram e do lápis nem sinal.
No dia de aniversário. 10 anos, quem diria! O lápis estava na mesa, para pintar os sonhos, de azul
 
RS 37 - o lápis caído no chão publicado no blogue historiasem77palabras.blogspot.pt/
1) O lápis rola para o chão.      2) Alguém o apanha e guarda.      3) Aquele lápis aparece mais tarde.
O que vos surge?
 
 
Celito Medeiros - Cafe on a Rainy Day
 
 
 

quinta-feira, 12 de maio de 2016

Quem errou, então?

Era teimosa. Mais depressa partia, mas não vergava. Agora parecia que o mundo se unira para a enfrentar. Tudo corria mal. Mas continuava convicta das suas certezas. Errados estavam eles. Um dia a razão deveria acordar e veriam quem afinal era mais insano. Estava exausta. E enquanto conduzia até casa, revia todos os procedimentos que adotara. Foi a navegar contra a corrente que todas as proezas se deram ao longo dos tempos. Abriu o email. Despedida. Lia-se…

Desafio 105 - Frase de Einstein - publicado no blogue da Margarida: http://77palavras.blogspot.pt/

Conhecem esta frase de Albert Einstein?
Não há maior demonstração de insanidade do que fazer a mesma coisa, da mesma forma, dia após dia, e esperar resultados diferentes.
Que história em 77 palavras vos sugere? participem também. É muito giro
 
 






 

sábado, 30 de abril de 2016

Vespertino

Era um hotel pequenino, ali para as proximidades da Basilica de Santa Maria Maior. Um estabelecimento familiar, modesto, explorado por uma família de italianos já com alguma idade. Simpáticos e prestáveis. Um local muito agradável para descansar depois de calcorrear vias e embebedar os olhos com tanta arte e tanto mármore de Carrara. Num fim de tarde que se anunciava chuvoso e pouco convidativo a outras aventuras fora de portas, encontrei uma publicação na língua nativa, displicentemente pousado num canto da receção. Pedi autorização para ler e fui folheando na tentativa de me concentrar na melódica língua e compreender o que lia. De repente toda eu se iluminou ao deparar-me com um poema do meu conterrâneo e mui querido Poeta esquecido nas folhas amareladas pelo tempo de um amante da poesia e deste luso pensador: 
Vespertino
E, tuttavia, è bello...
l’imbrunire.
La luce calante cade dal cielo vuoto
sulla morbida chioma
delle fronde
e sopra ciascuna foglia si diffonde.
Immobile, il paesaggio
appare addormentato
agli occhi di chi guarda.
La brezza porta il tempo
verso nessun destino.
E il rumor cittadino
fluttua nelle orecchie
distratte
di quelli che per le vie stanno andando
senza fretta
e come se stessero sognando
senza sognare...


Miguel Torga, Diário XIV

 

terça-feira, 26 de abril de 2016

Coisas

Ella regaba margaritas en el frondoso jardín, cuando ya sabía que tras la ventana él la observaba con un deseo bueno. Al rato sintió en su cuerpo una alegría que hacia muchos años había añorado, pero no sabía que al final se ejercería de un modo tan tremendamente mundano y casual. Por mucho tiempo prefirió olvidarse del mundo y descansar de todos los desencuentros de su juventud, que ya la estaba perdendo. 

 

quinta-feira, 21 de abril de 2016

Entre nós parece que fica sempre a dobra do lençol
enrolada para além da almofada que nos aconchega
e do tempo que termina no silêncio de uma garagem,
de uma interrupção, simplesmente termina.
E o abraço que troco noutro corpo tem o teu cheiro
a tua força, o teu calor e leva o amor com que te
vou amar sempre. Mesmo que outras bocas recebam
os beijos que guardo para ti. A voz que me mima é
sempre a tua voz, e a alegria de a ouvir perdura sempre
para além dela e do silêncio. Morrerei sufocada
pela saudade, sem que ninguém saiba que
também se pode morrer de saudade. Chamo
o teu nome baixinho e ninguém ouve, nem eu

mas quando voltares saberás que continuo a chamar por ti.

@maçadejunho


 

quarta-feira, 20 de abril de 2016

Capela Sistina

A Capela Sistina é um dos locais mais antigos e famosos do Vaticano. Grande obra prima da história assinada por Michelangelo que, em quatro anos, cobriu cerca de 680m² com cenas do Antigo Testamento. Lá estão a criação do homem, a expulsão do Jardim do Éden e o dilúvio.
Assista em “Uma Viagem pelos Museus do Vaticano” e conheça um pouco mais sobre este tesouro italiano e tantas outras obras marcantes da arte, recolhidas pelos Papas em 500 anos de história: http://ow.ly/10pnwD

Roma - Città eterna