sábado, 31 de maio de 2014

Política

Foi uma semana de política negra. Vitórias desfeitas por disputas de titãs, que encheram o peito, não de ideias, mas de ambições. Cada um a tentar tirar proveito do rival.
E o Tribunal Constitucional levou tudo a eito. Não desfez o que foi feito, mas o governo, despeitado, procura já medidas adicionais para minimizar os estilhaços que esta trapalhada provocou no seu conceito de austeridade e de redistribuição de riqueza. Sairá certamente uma nova norma a preceito.


Desfeitas, peito, proveito, eito, feito, despeitado, conceito, preceito
@Maça de junho

Desafio nº67 - escrever em 77 palavras um texto utilizando oito palavras com o étimo (eit)
publicado no blogue: histórias em 77 palavras


A dor dorme com as palavras

A dor dorme com as palavras, dorme, dorme.
Dorme e vai buscar nomes, nomes.
Dorme e a dormir morre e renasce.

Uma semente germina, sabias?
Germina, germina
uma semente da noite, nas ondas, um povo
começa a crescer, uma estirpe
da-dor-e-do-nome -: firme
e como que desde sempre submersa
e fiel -: a não-
-existente,
a viva
e minha, a
tua.
in A morte é uma flor, Paul Celan


sexta-feira, 30 de maio de 2014

Penumbra

Amanhã será outro dia
sem problemas nem dilemas
As contrariedades e as maldades
que nos infligem todos os dias
ficarão esquecidas 
pelo sol de sábado, pela harmonia do domingo
Amanhã ganharei coragem, e audácia 
Hoje, não...não tomo resoluções
nem encontro soluções.
E se a vontade de soluçar 
não passar
deito-me no chão, caída em terra
num campo de papoilas, numa terra de urzes
contar as estrelas e esquecer-me dos dias
ficar preguiçosa,
mas poder murmurar
- Se tu vieres, serei audaz.
E tu virás, mesmo eu sonolenta
terei um sorriso, e serei capaz
de te oferecer o calor do sol
o brilho da lua
que mesmo escondida
Será sempre tua
E eu tua serei, 
sejas tu o meu luar
que me cobre com seu manto
tecido de estrelas e de orvalho
perdido num pranto
que desce ao regato 
e engrossa o rio.
Amanhã tudo farei,
tudo o que hoje desejei
E não encontrei
Ah! a lua, pudesse ela descer
aos meus braços
e sentir o calor do meu abraço!

@Maça de junho




Foto: Maçã de junho

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Dia da espiga

O Dia da Espiga, coincidente com a Quinta-feira da Ascensão, a subida de Jesus aos Céus, foi durante muitos anos dia santo de guarda, é uma data móvel que segue o calendário litúrgico cristão e que tem lugar 40 dias após o Domingo de Páscoa, este ano celebrado a 29 de Maio, em Maio tudo espiga.

O ramo oferecido à Santíssima Trindade (Pai Filho e Espírito Santo) com espigas de trigo. Além do trigo a festa pagã passou a juntar, a espiga que simboliza o pão, o malmequer - o ouro e a prata, a papoila - o amor e a vida, o ramo de oliveira - o azeite e a paz, a videira - o vinho e a alegria e o alecrim simbolizando a saúde e a força.
Antigamente este ramo prendia-se atrás da porta de casa para dar prosperidade.
Curiosidade: Dizem os mais velhos, em tom de brincadeira, que, este era o único dia do ano em que as criadas falavam a verdade às patroas: que iam sair para apanhar a espiga!


@Maçã de junho

Foto:internet

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Não tenho paciência para impostores, para bajulações, para gente medíocre e mesquinha. Quero pessoas verdadeiras junto de mim, mas dispenso quem é apenas gente. Quero sorrisos que amam, abraços apertados, olhos que aquecem. Quero mimo. Quero caminhar junto de pessoas que se lembram do meu nome e do meu rosto e da minha voz, a todas as horas. Quero uma vida simples, de conforto, que valoriza o que realmente é importante.
Em mim não quero pousado o cansaço de sensações inúteis, não quero o suposto, nem o supérfulo. Quero apenas desejar o infinito e idealizar o sonho. Quero fecundar os dias, porque está difícil suportar sozinho a dureza do acordar.

@Maçã de junho

Foto: Maça de junho

sábado, 24 de maio de 2014

66 versus 99

Para escrever setenta e sete palavras há 66 formas diferentes de pensar e 99 textos possíveis para o dizer. Vou deixar apenas um. É um desafio apaixonante, é como amar à distância e parecer próximo. Entranha-se na pele, adormece connosco e acordamos com ele. Ajuda-nos quando estamos tristes e acompanha a solidão das noites difíceis, celebrando juntos as conquistas e as vitórias. São palavras onde entram os algarismos, são a vida do blogue numa capicua de emoções.

Desafio nº66
Escrever em 77 palavras um texto onde entrem o 66 e o 99.
Publicado no blogue: histórias em 77 palavras

Tirol Austríaco - internet

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Haikus

Porque
há mãos 
de onde saem sempre flores.

Nas mãos
são os dedos
que traçam o caminho

Há gestos
guardados
dentro da minha mão

A ternura
da tua mão
é uma flor na minha vida

Foto:internet
@Maçã de junho

domingo, 18 de maio de 2014

Casario

em lisboa eu prefiro o casario
que se narcisa visto da outra banda
no espelho às vezes turvo deste rio
na limpidez do rio às vezes branda
é entre o mar da palha e o bugio
que o renque das fachadas se desmanda
em tons de porcelana ao desafio
em cada patamar, cada varanda
e a luz de água e azul a derramar-se
vem envolver-lhe o vulto reflectido,
dar-lhe o contraste de uns ciprestes, dar-se
como um banho lustral e desmedido

 Vasco Graça Moura,  Poesia – 1997/2000. Lisboa
Quetzal Editores, 2000

@Maçã de junho

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Frustração

A ternura é a palavra que define o acordar
a regra que a manhã aceita
mesmo quando não acordo nos teus braços

Não mereço o calor da tua pele
nem a lembrança de um dia
tal como a luz quando desaparece na noite

Não, não compreendo
há belezas mais ruivas e mais intensas
a incompreensão é uma faca a rasgar a carne

A dor, dói desde o adormecer ao acordar
desde o principio, desde sempre,
como a saudade

a cada hora mais, é mais intenso
é como o sol ao aquecer
é amor ou é sofrer

nem a aurora boreal
nem as nuvens nem a bruma
sabem de tristeza

Nem eu sei do que sonhar
nem chorar posso mais
sinto-me secar

apenas!..


Edvard Munch -Expressionista
@Maçã de junho

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Havia um cruzamento
Em todas as vidas há cruzamentos
em todos os caminhos da vida se cruzam destinos

Johan Jongkind -impressionista Holandês
@Maçã de junho

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Comício

Era dia de campanha eleitoral, no largo principal juntava-se uma multidão. Microfones e suportes com os textos dos discursos alinhados, sugeriam uma organização perfeita para o último comício do grande partido popular (GPP). De repente levanta-se uma brisa e as palavras atrapalhando-se dentro do texto caíram no chão. O coreto vira passar grandes concertos de bandas filarmónicas que ano após ano animaram as festas da Senhora da Agonia, mas hoje agoniava com tanta palavra falsa e desonesta. 

desafio para escrever em 77 palavras um texto, obrigatoriamente usando a qualquer altura a frase "...as palavras atrapalhando-se dentro..." havendo liberdade na conjugação verbal,
Publicado no blogue: 
historiasem77palavras.blogspot.com

Coreto em Pedras Salgadas

sábado, 10 de maio de 2014

Um poema ou um delírio

Há dias em que um poema é um delírio apenas a usar a palavra chave
Há dias que quero conversar contigo.
Há dias em que preciso de alguém que me escute, apenas, sem juízos, nem apreciações, nem conclusões. Apenas estar ali e escutar, mesmo se eu não disser nada, que escute a minha respiração, ou o meu coração, ou simplesmente os olhos a pestanejar.
Há dias em que até o silêncio me escuta e é nele que encosto a minha cabeça e assim ficamos os dois juntinhos.
E foi assim que aprendi a escutar-te e é assim que me escutas.
Não te digo o que penso, nem o que sinto, nem o que sonho. 
Tu já sabes tudo isso, para quê estar a repetir. 
Há dias que apenas quero contar-te da minha ternura,
Há dias que escrevo apenas para encontrar um verso que te contente.
Como hoje.

@Maçã de junho

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Telúrica ou Torguiana

Um reino maravilhoso -( Trás-os-Montes)

Vou falar-lhes dum reino maravilhoso.
Embora haja muita gente que diz que não, sempre houve e haverá reinos maravilhosos neste mundo. O que é preciso, para os ver, é que os olhos não percam a virgindade original diante da realidade, e o coração, depois, não hesite.
Miguel Torga, Portugal -2ªed. Coimbra 1957

Douro visto de Gouvães
@Maça de junho

terça-feira, 6 de maio de 2014

Pastorisa

Para ela o mais importante é a liberdade. Talvez esteja relacionado com a data de nascimento (25 de novembro de 1975). Diz estar a aprender a não dar importância ao que pensam dela e do que ela pensa. Uma espécie de liberdade de pensamento, como a do corpo. Vê o ser humano como abrir gavetas de si mesma, quantas mais abrir, melhor se conhece. Naquele olhar o tempo parou, apenas para arrumar o vestido no corpo.

@Maça de junho

Desafio nº65 - Criar uma personagem com o nome Pastorisa em 77 palavras
 publicado no blogue: histórias em 77 palavras


domingo, 4 de maio de 2014

Mãe

O estágio anterior ao ser mãe é o de ser filho, ou antes, filha. Ser "o menino de sua mãe", crescer, conhecer, ser família. O conceito de família abrange pais e filhos. Depois, depois é necessário cerca de nove meses de preparação. Mas preparação é a vida toda. E ser mãe como é e o que é? Mãe é a raiz e o caule, o fruto e o alimento. Um porto de abrigo, num corpo que abraça, no olhar que aconchega, no coração que confia, perdoa, compreende e ama. 
O maior e melhor presente para a mãe e para o filho é o tempo. O tempo para amar e educar, para rir e para sonhar, para limpar os olhos que teimam em verter tristeza e aconchegar o coração com o mimo e o afecto que as mãos carregam. Todo o tempo não é demais, fica como que numa reserva do coração para mais tarde, quando a idade adulta chega e a mãe não está ali para soprar a ferida que dói, para ouvir os lamentos de um dia triste, de uma vida escura, ou simplesmente para partilhar o dia de sol, a ver nascer as estrelas no céu. 
Há palavras que nunca digo à minha mãe e guardo comigo para um dia dizer. Quando o dia chegar não sei se ainda estarei aqui para as dizer. Talvez seja demasiado tarde. Talvez tenha passado demasiado tempo. Mas há palavras que não se medem pelo tempo. Amo-te mãe.
@Maçã de junho


sábado, 3 de maio de 2014

O Vasco perto do fim


«Se há coisa que o Vasco Graça Moura detestaria, seriam lamúrias pela sua morte. Como poeta conhecia a morte bem melhor do que nós, mas sempre recusou o quotidiano de morrer.
 Até ao seu último dia fez um enorme esforço para manter aquilo que considerava a sua vida normal: escrever o artigo para o Diário de Notícias, ir ao CCB exercer as suas funções, despachar o que tinha de despachar, participar nas conferências e debates que tinha aceite fazer, manter-se ele mesmo. O quotidiano da doença não ajudava, mas o Vasco encontrava nessa aparente normalidade uma força que o susteve até ao fim.
Uma vez, em Estrasburgo, vinha ele divertido com mais uma votação burocrática e absurda no plenário, fazendo poemas jocosos e repentistas a caminho de restaurante, e quando nos sentámos eu pedi-lhe que confirmasse um verso que tinha fixado na memória, para tomar nota. E disse-lhe: “O Vasco agora faz de Goethe e eu de Eckermann.” Eckermann registou as suas “conversações” com Goethe durante os últimos dez anos da vida do poeta, e o seu livro contendo essas conversas é uma fonte importante para conhecer a obra de Goethe. Mais tarde e várias vezes lhe repeti a frase, de que ele obviamente gostava, rindo-se e acrescentando sempre alguma coisa para dar conteúdo ao exercício da função. Vou cumpri-la na medida do possível e aqui ficam algumas “conversações”, em particular com maior urgência aquelas que tenho a certeza que o Vasco gostaria que fossem conhecidas.
O Vasco gostava de honrarias, sempre gostou. Talvez lhe servissem de lenitivo para a dureza das polémicas muitas vezes solitárias, algumas vezes excessivas, em que se metia. Ele gostava de varrer o terreiro a varapau, mas sabia que os feridos e os cobardes regressam a casa jurando vingança pelo escuro. Ele era sobranceiro, mas conhecia na solidão o preço dos seus combates e por isso encontrava nas honrarias que recebia uma espécie de recompensa para compensar o que muitas vezes desejava fazer e entendia que fazia bem, e os seus vários inimigos o impediam de fazer. Nos últimos anos da sua vida, o seu combate contra o Acordo Ortográfico teve custos e não foi por acaso que, na sua morte, a grande ausência foi a universidade, Lisboa e Coimbra em particular.
Quando começaram a circular as notícias de que estava muito doente, começou aquele ciclo de homenagens em que o país é pródigo na hora da morte, com sabor de póstumas, mas mesmo assim estimadas e desejadas pelo Vasco. No entanto, ele sabia bem o que significavam e, fiel ao seu espírito lutador, queria mais do que tudo aquelas que sabia serem mais difíceis. Como bom clássico, até pela vetustez antiga do acto, desejava um doutoramentohonoris causa, que sabia ser mais do que merecido. O activismo sem descanso da Maria e de um grupo de amigos próximos moveu céu e terra para que o Vasco, já muito debilitado, pudesse ter essa alegria e reconhecimento. Não foi fácil, houve recusas liminares, mas a Universidade do Porto mostrou muito do seu mérito ao conceder-lha esse último gosto que o homenageia a ele e a ela,Universitas no pleno sentido do termo, e à cidade, o Porto, que tinha mais do que tudo no seu coração.
E aqui volto às minhas funções de Eckermann. Quando falámos do acto académico, ele disse-me que pretendia fazer a sua intervenção em latim, “para contrariar o desprezo que há pelas humanidades”. Eu disse-lhe: “Como o Chris Patten”, porque tinha a certeza de onde vinha a ideia do latim. Chris Patten, último governador de Hong Kong, conservador e católico apostólico romano, era membro da Comissão Europeia e um dos ingleses com que convivíamos nas nossas deambulações europeias, no momento em que se estava a preparar para a função de chanceler da Universidade de Oxford. Ora, o seu discurso inaugural seria, como é da tradição, em latim. A ideia nunca mais abandonou o Vasco.
 Mas uma coisa era tentá-lo, outra fazê-lo. O Vasco tivera sempre uma enorme atracção pelo latim, homem antigo como era, mas nunca conseguira fazer uma tradução “decente”, nas suas palavras, do latim. Tentara traduzir Ovídio, e nos seus papéis devem existir traços dessas tentativas, mas confessou-me que não conseguira. Para traduzir ele precisava de um mínimo fluir da língua, uma melodia que o verso domesticava, mas que, mesmo assim, avançava correndo, nas línguas latinas em que traduzia habitualmente, no francês ou no italiano. No caso do alemão, o que o atraía era a densidade poética, muitas vezes “puramente incompreensível”, como era o caso de Rilke. No latim ele encontrava uma enorme beleza formal, que o atraía muito, mas que não conseguia verter para português com os mesmos exigentes e difíceis critérios de tradução que usou em Dante ou em Racine».

Nota do autor do blogue: 
Apenas conheço outra pessoa, também ele homem, com a personalidade tão próxima da do Vasco. É também ele um homem solitário na sua criação e com uma avidez pelo elogio, pela exuberância dos sentidos, pela necessidade de companhia e de reconhecimento. Um génio na sua criatividade e densidade de saber. Alguém que eu também admiro em todas as suas capacidades e compreendo e por quem guardo uma ternura especial. Penso que não se conheciam, porque se alguma vez se tivessem cruzado nos corredores do mundo, certamente teriam firmado amizade. O que Pacheco Pereira aqui retrata é exatamente a imagem e o conhecimento que me fica de alguém que me influenciou a vontade de escrever e o gosto pela música, ele um melómano de excepcional qualidade. Era austero e vaidoso, inteligente e controverso, uma capacidade imensa de trabalho e um processo solitário de criação. Alguém que aprendi a admirar do alto dos meus 17 anos e que não esquecerei nunca. @Maça de junho


sexta-feira, 2 de maio de 2014

Sublimação

Escrever poesia é segurar as palavras que se escrevem
Para fingir que frequentamos sentimentos quantas vezes arredios de nós
desvendar mistérios da existência humana
quando a sublimação eleva à cúpula do infinito
o que no horizonte vagueia sem rumo nem sentido

Na exaltação das letras entre rimas e compassos
Escondendo o que se diz e mostrando o que contradiz
Subir ao amanhecer para cumprimentar o sol
correr entre versos e adormecer sob a sua sombra
Entre o beijar as estrelas e acariciar a lua

Sempre o amor no supremo sentido da vida
nas escrituras no amor entre os homens
até Dante onde se eleva às estrelas
o amor que move o sol
cuidando das palavras e dando-lhe o brilho das estrelas




quinta-feira, 1 de maio de 2014

mãos

as mãos abertas para receber o dom da vida
o afago estendido na palma voltada no rosto infantil
os dedos unidos em prece

a mão aberta num sorriso
é a tua
@Maçadejunho