quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Viagem no tempo

A simplicidade da minha vida é a origem do meu bem estar, da minha quase permanente felicidade. Desde a infância fui habituada a dar valor às pequenas coisas. Uma couve, um fruto, uma erva, um dia de sol e um dia de chuva. As estrelas à noite e o sol quando nasce. 
Em minha casa não havia tapetes persas, nem candeeiros de lustre, nem havia candeeiros. Havia trabalho e pão e sopa na mesa. Todos trabalhavam no campo ou a ajudar a família, depois das obrigações escolares. E havia bacalhau e carne e frango assado e ovos estrelados e queijo e manteiga no pão, às refeições. 
Mas não havia birras, nem mimos de gosto e detesto.
Em criança e já adolescente não gostava de sopa de cebola, mas comia-a sem qualquer reparo. Se o fizesse teria que a repetir. Agora é uma das minhas sopas preferidas.

Tudo o que trazemos da infância acrescenta-nos e se trouxermos valores, estes ainda nos acrescentam mais alegria.
Fazia piqueniques com os amigos quando saíamos sem destino serra acima à procura de pochegas. Eram piqueniques de maças e pão. Outras vezes nozes e figos secos, outras ainda de azeitonas e broa de milho. Outras era com o que se apanhava pelo caminho. Os caminhos tinham nome, o caminho da fonte, o caminho do souto, o caminho das serôdias, ou o caminho da escola.
Havia os piqueniques (as merendas e os almoços) das tarefas agrícolas, em que se faziam as refeições na leira. Semear batatas, a vindima,  as ceifas dos cereais, as regas. 
Guardo com ternura as memórias destes momentos. Continuo no culto dos afetos, do convivio, a toalha estendida, da merenda na sombra, do lanche na praia, qualquer coisa para petiscar. Continuo na mesma senda. Um café e umas bolachas. Um chá e uma compota a barrar as tostas, enfim, mais uma vez os afetos embrulhados num mimo.
Nessa casa também havia livros e jornais. Os jornais por vezes tinham semanas, mas liam-se na mesma. O importante era conhecer o mundo e abraçar o infinito e não as noticias em si.
As crianças liam em voz alta para os adultos, ao serão. E nas tardes frias do inverno, liam enquanto as mulheres faziam malha, meias para os seus homens e camisolas para as crianças.
E ler era sonhar, com os dias do futuro, com uma lua cheia de ternura e os dias eram leves como o vento da primavera, e a vida fluía como se esperasse o barco do amor. 
Agora o barco chegou ao cais e apenas se vê um fio do horizonte, obrigando o viajante a pernoitar no bosque da saudade e  guardar segredo de tudo o que não foi dito. E do tormento da noite retira o rumo de um olhar que ficou inundado de gotas salgadas e quentes. Por fim caiu, gemeu e adormeceu na margem do amanhecer.

Foto:internet



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