Gosto dos dias de chuva no outono, para ficar com o rosto colado à janela a sentir no vidro o contacto das pingas, e a deixar que o olhar perdido dentro de mim, percorra os caminhos da bruma branca que avança lá fora, e do silêncio que paira cá dentro. Escolho as palavras como se fossem esteios onde me agarrar, para não perder a razão da existência por vezes perdida, por vezes um guia de mim, entre mil pensamentos e a procura de mim. Procuro por entre o cinza da paisagem, o esvoaçar tímido de uma ave, sigo com o olhar o voo da folha entre a árvore e o chão, como se fosse de mim que se desprendesse, como o desligar de uma paixão que por vezes não passou apenas de uma traição. É no outono que as cores vão morrendo, ou é o outono que guarda o colorido que pinta.
Acredito em ti, na brevidade do encontro entre palavras e silêncios, entre preocupações e resoluções jurídicas, entre a família e a actividade cívica, entre o devaneio e as promessas não cumpridas. Acredito no amor, como se de poesia, por vezes proibido, por vezes uma aventura, por vezes não passando de um encontro revolucionário, resistente, suportando o sal das lágrimas e a força do vento que o verga.
Acredito que não são precisos adjectivos para além do tempo preservarmos as memórias, como as flores não precisam da eternidade para prevalecer. A palavra é sempre mais que um corpo onde as sílabas se encaixam e se abraçam, a palavra é o nosso encontro, até quando a única evidência é o chão que me suporta.
Outono nasce nas árvores ou são elas que se enamoram dele |
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