O Hugo nascera na aldeia, onde as casas mais pareciam casinhas de bonecas.
As ruas estreitas e íngremes escondendo encantos para nas sombras da noite nascerem histórias de encantar.
Por lá andava todo o dia a correr. Subia pelos caminhos de pedregulhos até à serra em busca de saborosas e suculentas pochegas.
Dormia encostado numa fraga granítica com uma raiz de carqueja por almofada.
Por companhia a cabrinha maltez que nos seus berros indicava o seu paradeiro.
Um dia chegou a casa e os pais estavam numa azáfama a empacotar os haveres que eram parcos e velhos
Iam viver para a cidade.
O pai tinha conseguido um emprego na refinaria e a mãe já tinha apalavrado com a tia Laurinda umas horas de trabalho doméstico em casa de uns senhores que eram doutores e que tinham três filhos.
Nessa noite Hugo não viu o sono chegar.
Deixar todo este universo, o sol a nascer para os lados do souto, os banhos na ribeira da Senhora de águas cristalinas e frescas, as cerejas no quintal do senhor comendador e as amêndoas que a menina Guiomar lhe oferecia todos os sábados quando regressava para passar o fim de semana.
Haveria no mundo lugar melhor onde crescer?
Esta ideia do pai largar as vinhas e os pomares do senhor Gouveia para ir ao encontro desse novo emprego não lhe agradava nada.
Um dia eis que chega o táxi do senhor Arnaldo para os levar à cidade. O pai acomoda a bagagem e entra para a frente. Hugo e a mãe entram para o banco de trás e ali ficam muito quietos de olhos abertos e humedecidos pela saudade que levam no coração.
Depois de várias horas de viagem eis que desaparecem da paisagem os pinheiros e os carvalhos, a estrada é mais larga e quase sem curvas. O velho mercedes do senhor Arnaldo parece desafiar as nuvens no céu e desliza veloz por entre prédios altos e cheios de janelas.
Por cima das suas cabeças vêm-se emaranhados de fios.
Quase nem se vê o céu. Aquele céu azul celeste debruado de recortes de nuvens brancas que mais parecem grandes novelos de algodão doce servindo-lhe de telhado no seu Casalinho perdido nas encostas do Douro, desapareceu.
Aqui tudo muito cinzento. Casas de paredes escuras, prédios tão altos que desafiam o céu. Pessoas que passam apressadas embrulhadas em roupas escuras parecem ter no olhar a escuridão do medo.
A destoar desta desilusão Hugo vislumbra ao fundo na sua direção um ponto amarelo que vai crescendo e à medida que se aproxima transforma-se numa enorme mancha amarela.
O elétrico! Um sorriso rasga-se no rosto infantil e parece deslumbrar no horizonte.
De repente o carro pára e o pai com um ar satisfeito e orgulhoso diz: -Cá estamos nós! A nossa nova casa é no 33!
O 33 é um prédio alto, altíssimo, cheio de janelas e de grades que parecem varandas. Na entrada, muito airosa, vasos de hortênsias parecem dar as boas vindas.
Hugo começa a imaginar o seu novo mundo. Viajar de elétrico, passear naquelas ruas cheias de gente apressada, estudar numa escola grande para poder ser doutor, como a mãe lhe prometeu e ir nas férias para o seu Casalinho correr pelos vinhedos, procurar ninhos de toutinegra e sentado ao fundo das escadas da casa do avô voltar a ouvir as histórias de encantar contadas por ele. São histórias antigas que parecem ter vida porque vivem dentro do coração do avô.
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