terça-feira, 28 de abril de 2015

Na estrada

Sinto saudades de te encontrar algures
Entre uma carruagem e a brisa da manhã
Entre um abraço e sorrisos de ternura
Num aconchego perene, mesmo que seja finito,
Para novamente sentir o sentido da vida e viver.

Agora tudo não passa de um sonho
Daqueles que se deixam escorrer por entre os dedos
E vão fugindo como as borboletas esvoaçando.
O que importa se a fúria dos dias é como a maré;
Ou se as ondas continuam a morrer na areia...

Vou todos os dias acordar de novo
Para de novo chorar a ausência
E deixar perdida a inocência do amor
Que julgava encontrar nesse beijo
Que julgava guardar nas palavras que eram vãs

Agora é de noite e o escuro amedronta
A alma veste-se de negro e adormece a chorar
Lá fora no frio do orvalho já não teces palavras
Nem encontras o caminho do abrigo
Que se perdeu quando a carruagem avançou...

@Maça de junho

domingo, 26 de abril de 2015

Natureza

Queria contrariar as nuvens
E correr atrás do vento
Cair sobre o teu corpo
No musgo verde que cobre o campo,
Abraçar a tempestade como te abraço sempre.

@Maça de junho
Foto: Joaquim Correia Duarte

sábado, 25 de abril de 2015

Frágil papoila

Como a papoila que nasce no campo, frágil e tombando ao vento
Flor dormideira, ornamento que vai embelezando o mundo
Pela sombra agreste do rosto quando se fecha ao amor

No pátio da esperança, o sol aquece as lajes do chão
E ao lado do muro, tu cresce, ignorando o fim
Que será breve, de uma vida curta, esfumada num sonho;

As crianças brincam e correm alheias à beleza que guardas
Dão gritos de alegria, nesta primavera que avança
Para elas ainda há esperança no amanhã e liberdade nos gestos;

E tu deixa apenas que o brilho do dia adormeça
fechas os olhos e esperas a liberdade da rua
Ao cair da tarde, na brisa que a noite tece.

@Maça de junho
25 de Abril de 2015


 

Em todos os Jardins

Em todos os jardins hei-de florir...
Em todos beberei a lua cheia,
Quando enfim no meu fim eu possuir
Todas as praias onde o mar ondeia

Um dia serei eu o mar e areia,
A tudo quanto existe me hei-de unir,
E o meu sangue arrasta em cada veia
Esse abraço que um dia se há-de abrir.
Então receberei no meu desejo
Todo o fogo que habita na floresta
Conhecido por mim como num beijo.
Então serei o ritmo das paisagens,
A secreta abundância dessa festa
Que eu via prometida nas imagens.

Sophia de Mello Breyner Andresen, obra Poética

@Maça de junho

 

terça-feira, 21 de abril de 2015

Alma

Sou aquela que sou
Escuto,
Guardo,
Espero,
Encontro,
Procuro,
Sou aquela que estou
Contigo
Por ti
Sozinha
Só por vezes
Navego
E em cada naufrágio
Regresso para te encontrar.

Me encontro a mim
Para te encontrar a ti.
Por vezes sou tudo
Por vezes sou nada,
Nem sempre procuro
Quem passa na estrada.

Sou apenas um detalhe
Ou uma bainha do avesso
Quando sou mulher
Fazes parte de mim
Mesmo quando não me pertences
Ficas colado na alma
Na  minha alma.
@Maça de junho




 

domingo, 19 de abril de 2015

O sono retirou-se do meu corpo e as cigarras
atormentam as minhas noites. Depois de teres
partido, os lençóis da cama são como limos frios
que se agarram à pele.... Porém, se me levanto,
não faço mais do que arrastar a solidão pela casa;

talvez procure ainda um gesto teu nos braços
do silêncio, como um pombo cego a debicar
as sombras na única praça deserta da cidade -
o amor nunca aprendeu a ler nas linhas da mão.

Maria do Rosário Pedreira, Poesia Reunida
@Maça de junho

para ouvir nada melhor que a nostalgia de um jazz: https://youtu.be/AutgKhD3ilA

sábado, 18 de abril de 2015

O PORTO
Eu gosto do Porto. Não do Porto erudito do Sampaio Bruno, ou do burguês e literário do Ramalho. Gosto de um Porto cá muito meu, de que vou dizer já, e amo-o de um amor platónico, avivado de ano a ano à passagem para a minha terra natal, quando o menino Jesus acena lá das urgueiras.
Entro então nele a tiritar de frio, atravesso-o molhado de nevoeiro, tomo um quarto, e deito-me no aconchego desta velha e casta paixão que nos une. No dia seguinte, pela manhã, levanto-me,... compro um jornal, embarco, e a minha visita anual e discreta acabou.
De vez em quando perco a cabeça, estrago os horários, e vou ao Museu Soares dos Reis ver o Pousão, passo pela igreja de S. Francisco, ou meto-me num elétrico e dou a volta ao mundo, a descer à Foz pela Marginal e a subir pela Boa-Vista.
 
Miguel Torga - Portugal, 2ª Edição refundida, Coimbra, 1957.
 
@Maça de junho
 

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Se o vires, diz-lhe que o tempo dele não passou;
que me sento na cama, distraída, a dobrar demoras
e, sem querer, talvez embarace as linhas entre nós.
Mas que, mesmo perdendo o fio da meada por
causa dos outros laços que não desfaço, sei que o
amor dá sempre o novelo melhor da sua mão. 


Se o encontrares, diz-lhe que o tempo dele não passou;
que só me atraso outra vez, e ele sabe que me atraso
sempre, mas não de mais; e que os invernos que ele
não gosta de contar, mas assim mesmo conta que nos
separam, escondem a minha nuca na gola do casaco,
mas só para guardar os beijos que me deu. 


Se o vires, diz-lhe que o tempo dele não passa, fica sempre.


Maria do Rosário Pedreira (Quetzal -2012)

@Maça de junho


 
 
 

domingo, 12 de abril de 2015

Guarda-freios

O pai era o guarda-livros mais famoso da vila, o que lhe dava o estatuto de gente importante. Queria fazer algo diferente. Sabendo jogar futebol, poderia ser guarda-redes. Nas tardes de verão perdia-se a observar os voos rasantes dos guarda-rios, no bucolismo do campo a bordejar o rio. A mãe tinha um no guarda-jóias, em forma de alfinete, que herdara da sua avó, filha de um guarda-fiscal. Ele poderia ser tudo ou ninguém, mas preferiu ser guarda-freios.
 
publicado em históriasem77palavras.blogspot.com
uma história em que entrem pelo menos 6 vezes a palavra Guarda, composta.

@Maça de junho
Foto de um utilizador
Estação de Aregos - Douro

 

 

sábado, 11 de abril de 2015

RETRATO DE MULHER

«Algo de cereal e de campestre...
Algo de simples em sua claridade
Algo sorri em sua austeridade»


Sophia de Mello Breyner Andresen, in o Nome das Coisas




https://www.youtube.com/watch?v=g5KOhXLJ1iU

 

quarta-feira, 8 de abril de 2015

A cor

Diz-me
Qual a cor da felicidade
Mesmo que seja mentira
Diz-me
Para eu voltar a acreditar
Volta a dizer-me que é da cor que a pintarmos
Para eu espalhar a paleta de cores
E pintar um pássaro no céu
E sentir a liberdade junto de ti.

Diz-me que tem cor do sonho
E eu voltarei a sonhar de novo
Que a primavera floriu
Envolta no orvalho da manhã
Quando as flores acordam envoltas nas hastes
Como os amantes
Nos braços da saudade

Diz-me que a pintas para mim
No céu azul
Com os teus dedos acariciantes e ternos
Na liberdade da entrega
Nas asas sôfregas da distância
No caminho percorrido
Da tua cor e da minha
.
Vamos,
Pintar
De novo a alegria
De sentir a Poesia
Na liberdade do Amor


@Maça de junho


Foto de um utilizador
 

terça-feira, 7 de abril de 2015

Páscoa

A Páscoa é passagem pelos afetos, pelas memórias idas.
Quando era pequena a Páscoa era sinal de muita azáfama. Limpar a casa, encerar, retirar cortinas para lavar os vidros, espanar tudo e deixar que o sol de Março ou Abril fosse entrando pela casa dentro.
Na cozinha, ovos e chocolate. Um grande pão -de-ló, amarelinho e muito fofo. E o folar de carne. No domingo era o cheiro do assado que vinha da cozinha, e que se misturava com o aroma das flores nas jarras, de cor amarela e branca. Quando a Páscoa ocorria mais cedo, e ainda havia flores de japoneira com as suas tonalidades rosa e vermelha.
Era sinal de andar na rua, com os dias a crescer e o sol primaveril a brilhar.
O sino do compasso ia indicando quando se aproximava, ou quando a cruz se afastava por outras ruas, por outras escadas acima. Já passou nos correios, vai a caminho da serração, entrou no cimo do povo, eram sinais do tempo que ainda demorava a chegar a nossa casa, onde uma toalha branca com uma jarra bem florida e uma laranja acompanhavam o cruxifixo e o envelope com a dádiva. Quando a cruz subia as escadas, perfilávamos-nos por idades e por categorias, avós, pais, tios, filhos mais velhos, crianças pequenas, para beijar o Senhor Ressuscitado. Depois pela varanda distribuíam-se as guloseimas entre a criançada que da rua gritavam Aleluia! Aleluia!
Tempos de recordação. Emoções que agora já não vivemos, e que vão esquecendo, assim como os aromas doces e inebriantes de outrora.

@Maça de junho

"O céu deixamo-lo nós aos anjos e aos pardais.

Sigmund Freud."
 

domingo, 5 de abril de 2015

Páscoa Feliz

Feliz Páscoa na comunhão entre a esperança renovada e a Fé que motiva e serena.
Feliz dos que vivem a esperança de novos dias, de novos projetos ou de novos rumos;
Feliz a Páscoa dos que se libertam de preconceitos, e se inspiram pela Palavra do Ressuscitado;
Felizes os que fazem da vida um grito de liberdade, no respeito dos valores e dos que lhe são próximos;
Feliz a Páscoa redentora para os que acreditam;
Felizes os que na passagem da vida, projetam e constroem momentos de verdadeira renovação
Felizes os que não julgam, nem se entristecem sem motivos:
Feliz Páscoa para quem se liberta de egoísmo e falsa caridade;
Feliz seja a Páscoa de todos quantos procuram este cantinho para reflexão, partilha ou pura diversão.

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