terça-feira, 18 de março de 2014

Dor

Vou fazer uma revolução, porque fazer uma revolução é na alma de cada um! A minha já  começou no interior de mim.
Que importa amar, se há lonjuras intransponíveis? Amar é não ter preço, nem tempo, nem dever, nem obrigação, nem exasperação. Amar é ficar. É ganhar ou perder, sem saber, sem querer para além do amor.
Amar é dar, sem pedir, é entregar sem nota de débito. 
E quando o corpo dói de saudade as outras mãos não são as tuas mãos, os beijos não são os beijos que te conheço, quando me ensinaste a beijar. O calor é tépido, não há a sofreguidão que apenas tu me trouxeste. Até errando se aprende. Aprende-se sempre, mas há aprendizagens suaves, na tua imensidão. 

Não, não penses, essas coisas, que te levam ao sofrimento. Quando se deixa que o sofrimento se instale, perde-se o melhor que é viver. 
Nem que seja nos cornos da lua, pois não há traição quando não existe entrega da alma, e alma só temos uma, mesmo quando se entrega o corpo. 
O Corpo precisa de exaltação, de ser calorosamente louvado, e nem sempre o é, por não haver exaltação. Apenas nas pontas do crescente da lua te encontro. Procura-me ...



Acordo sem o contorno do teu rosto na minha almofada, sem o teu peito liso e claro como um dia de vento, e começo a erguer a madrugada apenas com as duas mãos que me deixaste, hesitante nos gestos, porque os meus olhos partiram nos teus.

E é assim que a noite chega, e dentro dela te procuro, encostado ao teu nome, pelas ruas álgidas onde tu não passas, a solidão aberta nos dedos como um cravo.

Meu amor, amor de uma breve madrugada de bandeiras, arranco a tua boca da minha e desfolho-a lentamente, até que outra boca – e sempre a tua boca – comece de novo a nascer na minha boca.

Que posso eu fazer senão escutar o coração inseguro dos pássaros, encostar a face ao rosto lunar dos bêbados e perguntar o que aconteceu. 

Eugénio de Andrade
in As Palavras Interditas






Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não está lá quem se ama, não é ela que nos acompanha – é o nosso amor, o amor que se lhe tem.



Miguel Esteves Cardoso

Na estação na tarde o fumo
O rumor o vaivém as faces
Anónimas
Criaram no interior do amor um outro cais

As lágrimas
O fogo da minha alma as queima antes que brotem.

Sophia de Mello Breyber Andresen, in Livro Sexto






Esta tarde deitei-me na linha do horizonte, abandonei-me naquela lonjura, embalada nas águas cálidas do mar, com o céu a cobrir de púrpura a minha pele. Talvez ali, naquela planície de calmaria, adormeça a minha dor, adormeça a minha dor...

Maria João Saraiva, in A dor que me deixaste

@Maçã de junho

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