sábado, 27 de setembro de 2014

Do outro lado do espelho

Às vezes chamo-me Alice. E por vezes sinto vontade de fazer um colar de margaridas, mas quando olho as flores do campo e sinto a beleza das flores no colar de margaridas, parece que já não era bem isso que queria. Queria apenas olhar lá para fora e sentir o belo a acariciar-me a alma, bem devagarinho, como se o tempo fosse infinito. Pois o importante é o tempo que passa devagarinho e o tempo para olhar ao redor, mesmo quando ao redor de mim mesma. 
Por vezes, entro no espelho e corro pela floresta. Encontro o coelho e falo com ele. Pergunto-lhe: quanto tempo dura o eterno? E ele responde-me: às vezes apenas um segundo. O eterno dura o tempo que precisamos para o consolidar nos nossos sonhos. Há sonhos que são desejos. Nem sempre se concretizam. Mas quando sonhados e sentidos é o real e o sonho confundidos nesse momento que ficará para sempre. Ah! é tão doce sonhar e sentir dentro de nós esse sonho. Por vezes também preciso sair de dentro do sonho, mesmo quando vai doer. Crescer é também sofrimento. "A dor é inevitável, o sofrimento é opcional" Escreveu Carlos Drummond de Andrade. É verdade, a capacidade de passar pela dor sem sofrer é dificil, mas esse exercício, também ele revela maturidade e serenidade no caminho.
Depois, mais adiante o gato sorri, indolente, espreguiçando-se  como se tivesse todo o tempo do mundo. Cheio de certezas e de  ironia.
E quando lhe pergunto se me pode dizer que caminho seguir. Sorri mais uma vez: "Isso depende muito do local para onde queres ir" Acrescento que me preocupa pouco para aonde ir. "Nesse caso, pouco importa o caminho que sigas", diz-me.
Mesmo ao meu lado o grilo segreda-me que única forma de chegar ao impossível, é acreditar que é possível. E eu, do lado de lá do espelho, penso que ele tem razão.
E então eu, ainda a Alice, cruzo-me com o chapeleiro, o maluco, um dos melhores amigos, e pergunto-lhe se ele me acha louca? Claro que sim. Louca, louquinha, mas as melhores pessoas são-no. Aliás, todos aqui são loucos. E quando penso que consigo evitar relacionar-me com gente louca, eis que ele me diz: "tu não pode evitar isso. Todos nós aqui somos loucos. Eu sou louco, tu és louca".
Vivemos na janela do mundo e sonhamos no que existe para lá dela. E é essa capacidade de sonhar, de acreditar que é possível, que nos leva sempre mais longe. Nem sempre pelos caminhos mais certos, nem sempre pelos mais conhecidos. Mas o importante não é chegar, é partir, e o importante não é o caminho, mas a caminhada pela vida, e os encontros com todos aqueles que nos enriquecem, seja com a sua esperteza, ou com a sua loucura.

@Maça de junho 

Leitura pessoal de Lewis Carrol - Alice no país das maravilhas



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