sábado, 31 de janeiro de 2015

Parle d'amour


Por vezes os presentes vêm embrulhados não em papel celofane, nem com um laço sedoso, de cor bonita e atraente. Não. Por vezes os presentes vêm sob formas diferentes. Um gesto de alguém desconhecido, uma palavra de um amigo, uma imagem que passa na televisão, uma criança que nos abraça, um dia que nasce repleto de sol e de magia (o que não será o caso de hoje, que se mostra bem enevoado, com aguaceiros e vento), uma leitura que fazemos e que nos parece dedicada. E são estes presentes que nos encantam, porque inesperados, porque são verdadeiros, porque preenchem exactamente o espaço que um presente deve ter. Assim aconteceu desta vez. Aquele Amigo tão especial, que me dedica tanto do seu tempo, que me critica sempre que entende que o deve fazer, que não me ouve quando acha que não é para me dar ouvidos, mas que sinto presente em muitos momentos da minha vida, que sei compreende bem a minha natureza "louca", escreveu palavras críticas e elogiosas ao meu trabalho: "Saiu-te ao correr da pena, espontâneo, cru, real, incarnado, nem sequer o releste e editaste."
Pronunciou-se sobre a afinidade que nos liga, sobre a cumplicidade que guardamos das coisas mais ou menos importantes da vida, e que faz desta, uma verdadeira amizade, sem necessidade de explicações nem de justificações: "...é assim que gosto de te ler, rugindo com um vulcão em plena erupção, dando expressão à tua incontida força interior através da força das palavras envoltas numa aura de cultura..."
Entre nós temos proibidos os agradecimentos e temos "acordado" a contenção e a reserva, mas hoje, tal como tu, não me consigo conter. Obrigada por permaneceres na minha vida.
 
@Maça de junho







quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Mulheres de Atenas

Há as mulheres de Atenas e há as outras. As outras chamam-se Angela Merkel, Christine Lagarde, Marine Le Pen, Emma Bonino. Em Atenas há um governo novo, de esquerda, dizem. Mas não tem mulheres no seu elenco, dizem. Tem mulheres tem. Tem as mulheres dos ministros que não forem homossexuais, e tem as amantes dos ministros que " buscam os carinhos de outras falenas", como diz na canção de Chico Buarque, e como a história Grega se encarrega de nos mostrar. Basta ir ler Homero. Helena, filha de Zeus, considerada a mulher mais bela do mundo, esposa de Menelau o rei de Esparta, foi seduzida e raptada 
por Páris, filho do rei de Tróia. Rapto que deu origem à guerra de Tróia, que os gregos promoveram para resgatar a bela Helena. E depois há as Penélopes da Grécia, que esperam pelos maridos vinte anos, que tecem uma mortalha, sem a querer terminar, pois terminando a tarefa, termina o sonho. Penélope, passava o dia tecendo e, à noite às escondidas, desmanchava o trabalho realizado. E enquanto o marido se mantinha ausente, embora tanto tempo sem notícia, ela vestia-se de longo e tecia longos bordados, ajoelhava-se, pedia e implorava à deusa Atena o retorno de seu bem amado. Assim serão as mulheres de Atenas, que vivem, sofrem, despem-se, geram, temem, secam (frase da canção de Chico Buarque - ver o link no fim da nota) numa função cíclica de funções menores, e de vidas esquecidas pelos holofotes e pelos corredores da política.
Grande expectativa criou o Syriza, grande esperança a Europa das periferias, viveu na noite de domingo com uma vitória da esquerda, na casa da Democracia. Um dia e meio após, esta esquerda radical e feroz, decidida e pró activa, fez uma coligação com o partido da extrema direita, para gáudio da família Le Pen, e tal como Teseu, promete matar o Minotauro. Na pressa , tal como aconteceu com Teseu, ficará enredado no labirinto porque se esqueceu do fio de Ariadne.
A história mais uma vez se encarregará de registar se há um novo poema épico ou se apenas se trata de uma reedição dos poemas de Homero. Pois uma coisa é certa o povo Grego ainda não se livrou de todo o sofrimento, que perdura há cinco anos. Mas Ulisses no mar padeceu mil tormentos, durante dez. Deixando a Antiguidade clássica, num momento em que todos somos Gregos, a necessidade de inventar soluções credíveis, sérias, e executáveis no âmbito da instabilidade criativa, será o único caminho onde os riscos serão elevados, mas inevitável.  Será disso capaz este Syriza radical? Terá a lealdade política dos "amigos" de coligação? E a Srª Merkel e os restantes monetaristas da europa rica e empobrecida de valores?!
Espero que o entusiasmo reinante não se extingue logo após a primeira rentrée na europa dura e tecnocrata, que vai ocorrer já na reunião desta semana no Eurogrupo. A ver vamos...
@ Alda Gonçalves

http://youtu.be/MabbVn0Rlv4

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Coimbra, 18 de Outubro de 1982 - Inteligente, visita-me de vez em quando. E fica sempre da nossa conversa um eco grato aos meus ouvidos. Hoje falámos do sexo fraco. E ela meio a rir: 
- A mulher é um instrumento do diabo...
E eu, meio a sério:
- Deus deu-lhe os dons. O diabo apenas lhos revelou...

Diário XIV
Fotografia: The Head of a Nymph by Sophie Anderson


Foto: Coimbra, 18 de Outubro de 1982 - Inteligente, visita-me de vez em quando. E fica sempre da nossa conversa um eco grato aos meus ouvidos. Hoje falámos do sexo fraco. E ela meio a rir: 
- A mulher é um instrumento do diabo...
E eu, meio a sério:
- Deus deu-lhe os dons. O diabo apenas lhos revelou...

Diário XIV
Fotografia: The Head of a Nymph by Sophie Anderson
https://www.pinterest.com/sonumartolia/visual-illustration-art-artists/

Miguel Torga - A Criação do Mundo
https://www.facebook.com/pages/Miguel-Torga-A-Cria%C3%A7%C3%A3o-do-Mundo/231708357028803?fref=ts

sábado, 24 de janeiro de 2015

Mãe

Era muito bonita, a mãe. Ensinou-nos a ler e ensinou-nos a dançar, talvez as duas coisas mais importantes do mundo. E lembro-me de a ver andar de bicicleta na Praia das Maçãs, um pouco indignado porque andar de bicicleta era uma coisa para nós, não era uma coisa para ela

Quando eu era pequeno, à noite, e já estava sentado na cama, a mãe dizia
com Deus me deito
com Deus me acho
aqui vai o Tóino
pela cama abaixo 
eu ia, ela apagava a luz, e logo a seguir manhã. 
Hoje sonhei que estava sentado no parapeito do Viaduto Duarte Pacheco, a minha mãe chegava, dizia
com Deus me deito
com Deus me acho
aqui vai o Tóino
pela cama abaixo 
eu ia e logo a seguir nada.
Um dia destes vai ser assim, desejo que um dia destes seja assim.
O meu irmão Pedro morreu muito depressa no dia 21 de Dezembro, como era costume nele sem prevenir ninguém, mas tenho a certeza que, em qualquer ponto seu
com Deus me deito
com Deus me acho
aqui vai o Pedro
pela cama abaixo 
só que, se calhar, ninguém tomou atenção a estas palavras.
No dia seguinte fomos, os irmãos, dizer à mãe. Estava sentada na cadeira do costume e portou--se com a imensa dignidade com que sempre viveu. As suas palavras foram
- Tenham misericórdia de mim.
Era muito bonita, a mãe. Ensinou-nos a ler e ensinou-nos a dançar, talvez as duas coisas mais importantes do mundo. E lembro-me de a ver andar de bicicleta na Praia das Maçãs, um pouco indignado porque andar de bicicleta era uma coisa para nós, não era uma coisa para ela.
Depois de
- Tenham misericórdia de mim
que foi a única vez que a vi usar essa palavra, passado um bocado acrescentou
- Uma mãe não tem o direito de estar viva quando um filho morreu
e morreu de lhe ter morrido o filho, com uma discrição e uma elegância exemplares. Não tinha nenhuma doença especial: apenas a obrigação de cumprir um dever e foi juntar-se ao Pedro. Não comia quase, sentada na cadeira em que recebeu a notícia. Às vezes dizia-lhe versos porque ela gostava muito de poesia. Na igreja disse-lhe um dos seus sonetos preferidos, de António Sardinha, que aprendi com o pai. Costumava contar que o pai, enquanto se arranjava de manhã, na casa de banho, recitava poemas e ela ficava a um canto, a ouvi-lo.
- O que é que a seduziu no pai, mãe?
- A inteligência
ela que começou a namorá-lo aos catorze anos. Isso e a voz do pai, tão sensual:
- Nenhum dos filhos herdou a voz do pai. Talvez o António, um bocadinho.
A sensualidade e a inteligência, ela que era uma mulher muito inteligente. Falava, por exemplo, de Bento de Jesus Caraça que tinha conhecido menina, lá na Beira Alta, com o entusiasmo com que uma adolescente fala de um actor de cinema. Durante os meses em que esteve a preparar-se para se reunir ao filho às vezes pegava--lhe na mão e os dedos tão suaves e doces. Não éramos ricos, teve muitos filhos, tinha de tomar conta daquilo tudo, costurava, trabalha bastante em casa e quando se arranjava, assim para jantares mais de cerimónia, ficava uma brasa e pêras. Também não era especialmente terna mas contava-me, por exemplo, que, era eu bebé, lhe doía a boca de me dar beijos. Entre tantas mulheres apenas ela me declarou isso. Deve ser tão bom doer a boca de beijar. Há alturas em que me sinto culpado pelos problemas que lhe atirei para cima: doenças (uma meningite aos oito meses durante a qual estive em coma, tuberculose aos três anos), o meu mau feitio
            (- Assim tão mau, mãe?)
            o meu completo desinteresse pelos estudos
            (Só se preocupa em escrever e ler)
            o seu receio de me ver acabar a vender pensos rápidos e Bordas d'Água nas esplanadas porque a literatura não dá de comer a ninguém, esquecida que a culpa era dela dado que nos ensinou a ler antes de entrarmos para a escola e, em mim, a doença pegou:
- Só liga a livros e a raparigas.
Eu perguntava-lhe
- Existe alguma coisa para além disso, mãe?
e o facto de não responder significava, talvez, que até certo ponto estava de acordo.
Às vezes, ao zangar-se
- Não sorrias porque estou a ralhar-te
e, quando eu sorria, era-lhe difícil ralhar-me
- Sobretudo não faças essa carinha
e eu lá mudava a carinha para o resto da descompostura. Julgo que só compreendi bem o que sentia por mim quando estava com o cancro e ela veio visitar-me. Não era mulher de lágrimas mas a cara encontrava-se cheia delas, escondidas. Agora tenho o seu retrato ali e sou eu que as escondo. Pior do que você, mãe, visto que sou mais chorão. A Zézinha nasceu quando eu na guerra e escreveu-me a contar: "não sei se estás vivo ou morto porque há um mês e meio que não sei nada de ti".
Estava vivo. Não assim muito vivo, mas vivo, ao passo que quanto a si, mãe, nunca esteve tão viva como agora.
Com Deus me deito
com Deus me acho
aqui vai o Tóino
pela cama abaixo.
Tanta coisa que eu podia contar a seu respeito, e não conto, e jamais contei. Não sou capaz, tenho pudor. Enquanto a metiam debaixo da terra e não aguentei, fui-me embora. Fazia um dia de sol muito bonito. E tive a certeza de ver o Pedro ao longe. Não precisámos de falar. Quase nunca precisávamos de falar para nos entendermos. Mas a palavra mãe ia de um para o outro. E somos nós que vamos pela cama abaixo. A mãe será a última pessoa a ficar, olhando para a gente. Nascemos de si, não tem o direito de se ir embora. Não concorda? Olhe que eu ponho-me a sorrir aquele sorrisinho parvo até escutar que sim.

De António Lobo Antunes, 
Publicado na revista Visão


quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Maldade Óbvia

Óbvio, pedir em cada altura mimo suficiente...
Ou poder evocar contando alguns motivos simpáticos;
Os pobres, espirituosos cidadãos arrumam meticulosamente sobras, outros perdem-se em comer aflições! Mesquinha sobrevivência, onde palavras escapam.
Caminhar assim mostra sublimação!
Ouvir, procurar escutar, começa antes, misteriosamente, sabemos.
Olá, pediu ela, começar agora modifica sempre orar, prece escondida, cataloga atropelos, malvadezes seculares. Os piores estudos concluíram algumas missões sagradas...
Ocultam palavras estranhas, complicam adjetivos, misturam sujeitos.
O pedaço escrito, contem algumas maldades subjetivas...

Desafio escrito em 77 palavras, usando apenas as letras OPECAMS
publicado no blogue históriasem77palavras


terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Por vezes ou nem tanto assim


Reflectir sobre o que nos faz correr, sobre as nossas necessidades afectivas, culturais ou sociais é uma forma de melhor percebermos o que somos e de mais intimamente nos conhecermos. O que gostamos, como gostamos, quanto gostamos, podem parecer trivialidades sem interesse, mas são medidas de conhecimento fundamentais para cada ser humano. Nem sempre é fácil reconhecer erros, descobrir fragilidades, aceitar frustrações, é um dado objectivo, numa análise toda ela subjectiva. A necessidade de ter amigos, de se saber admirado, de obter reconhecimento profissional, faz-nos mais falta que um aumento salarial, muitas vezes. E por vezes é tão difícil de quantificar, de qualificar ou de encontrar simplesmente.

Os mais próximos são muitas vezes os que têm um papel menos relevante, não nos escutam, acham que já nos conhecem profundamente, ignorando que podemos mudar, que certamente mudamos ao longo dos anos, pela experiência de vida, pelos erros, pelas frustrações, pela coragem ou falta dela. Ajuízam antes de tomar conhecimento, decidem antes de lhes ser solicitado, fazem e desfazem achando que o fazem em prol de nós que precisamos. Tudo errado!
Temos necessidade de ser escutados, e quem está aí para o fazer? E quando precisamos de cair num colo e ele desapareceu, simplesmente.
Ah! Pois é, a imagem que passou foi a de resistente, capaz de resolver a vida como se de uma penada só se tratasse. 
E a noite é tão longa e fria. E os dias são doridos, no corpo e na alma. 
tudo como estas manhãs geladas, onde brilha o sincelo que corta na alma como lâminas.
Mas sem amor, nada feito. E amar é tão pleno e tão repleto. Amar o filho, um gato, as flores, a casa, a mim mesmo, uma criança no colo da mãe, quando fechamos os olhos e sonhamos, quando na alternativa se encontra um amor platónico que nos preenche, quando é tão mais fácil amar do que fazer a guerra, quando é tão mais simples ser leal. 
Será que ainda há esperança para uma nova primavera...
Ainda há tanto para contar e tanto a aprender!
@Maça de junho







A borboleta apaixonou-se

 
Borboleta de seu nome. Beleza no sorriso cativante. Bailava por entre canteiros, bem-me-queres e outras flores bonitas, exemplares raros da botânica. A sua amiga, brilhante no firmamento, rodopiava beijando as nuvens no balão. Era a estrela brincalhona no céu azul, bebendo o orvalho matinal, batia nas asas sedosas, bajuladora. Um dia a borboleta apaixonou-se! Sem fazer batota, passou a sentir borboletas esvoaçarem levemente na barriga, cada vez que batia as asas ao besouro-da-figueira. Ele que era  biofísico.

Desafio publicado no blogue: histórias em 77 palavras

@Maça de junho



sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Pobres dos pobres de espírito e de sensatez

Aqueles cuja linha de pensamento poderia servir de exemplo, pela visibilidade pública que lhes é dada, são aqueles que utilizando essa mesma visibilidade dela abusam e retiram dividendos e benesses. Através do mais hediondo pensamento criam-se monstros que percorrem a nossa sociedade, desde a comunicação social, passando por todo o tipo de pessoa que sem escrúpulos se acha dona de toda a verdade. A dela própria. Um narcisismo sem precedentes, que qual erva daninha vai vingando e apodrecendo os valores que os mais antigos nos deixaram.

Não conheço este douto e afamado que na lisboeta de papel de mortalha imprensa vai escarrando as mais pobres e nefastas letras. É nojento e criminoso deixar alguém publicar tão vil pensamento. 
Esta publicação critica encontrei-a no Blogue Malomil, e estando em pleno acordo com o seu autor, aqui transcrevo:

«Não conheço pessoalmente o  advogado dr. Magalhães e Silva mas tenho todas as razões para supor que é um homem de bem.

 
         Não duvido, por isso, que irá pedir desculpas pelo texto que publicou no Correio da Manhã do passado domingo.

 
         Nesse texto, intitulado «Outra vez a Luísa?», o dr. Magalhães e Silva fala da doença que vitimou Luísa Guterres.

 
Depois, fala da doença oncológica de que padece Laura Passos Coelho.

 
A abrir, convém dizê-lo: antes de serem casadas com primeiros-ministros ou líderes políticos, Luísa e Laura são mulheres, pessoas com dignidade própria, seres humanos que lutaram e lutam contra uma doença fatal.      

 

 
Também eu quero crer que o dr. Magalhães e Silva não mediu bem as suas palavras ao insinuar a ignóbil possibilidade de terem sido os próprios António Guterres e a sua mulher a propalarem a notícia de que esta padecia de uma doença terminal.

 
Para que fins e com que objectivos o teriam feito, é algo que só o dr. Magalhães e Silva poderá esclarecer.   

 
         Depois, sobre a doença de Laura Passos Coelho, escreve o dr. Magalhães e Silva:

 

        

          Ou seja, o dr. Magalhães e Silva antecipa a morte de um ser humano que luta pela vida.

 

Apresenta Pedro Passos Coelho como viúvo, «um coitado», quando a sua mulher está viva – e a combater um cancro.     

 
         Não contente, o dr. Magalhães e Silva ousa dar conselhos a um ser humano sobre o «respeito» e o modo como este deve tratar a doença oncológica da sua mulher:

 


         Também nós esperamos isso, sem dúvida.

 
Mas, agora, neste preciso momento, o que esperamos mesmo é um pedido de desculpas do dr. Magalhães e Silva.

 
Ou melhor, dois pedidos de desculpas:  

− a António Guterres e aos seus filhos, e à memória da sua mulher;  

− a Pedro Passos Coelho, à sua mulher e aos seus filhos.



Já agora, também esperamos um pedido de desculpas aos leitores doCorreio da Manhã, onde certamente se incluem muitas empregadas de centros comerciais de todo o país.    


        Feito isto, continuarei a considerar o dr. Magalhães e Silva uma pessoa de bem, um homem íntegro que respeita o sofrimento alheio.  

 
Se nada fizer, passarei a encará-lo como aquilo que certamente não é: um vulgar canalha.

 

António Araújo»

@Maça de junho

 

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Para meditação ou não

 O papa Francisco elencou e explicou quinze «doenças» que podem afetar os cristãos, especialmente os que detêm responsabilidades hierárquicas, durante a audiência membros da Cúria do Vaticano, por ocasião dos votos natalícios.

Da vanglória ao sentir-se indispensável, do esquecimento da espiritualidade à acumulação de dinheiro e poder, dos círculos fechados ao «terrorismo dos mexericos»: o papa apelou a um exame de consciência como preparação para o Natal.
Estas «doenças» e «tentações» não dizem respeito apenas à Cúria do Vaticano, mas «são naturalmente um perigo para cada cristão e para cada cúria, comunidade, congregação, paróquia, movimento eclesial».
«Seria belo pensar na Cúria romana como num pequeno modelo da Igreja, ou seja, como num corpo que procura seriamente e diariamente estar mais vivo, mais saudável, mais harmonioso e mais unido em si mesmo e com Cristo», afirmou.
Os colaboradores mais próximos do papa, como toda a Igreja, não podem viver «sem ter uma relação vital, pessoal» e «autêntica» com Cristo, realçou.
Francisco apresentou um «catálogo» das «doenças» eclesiais, na convicção de que ele pode contribuir para celebrar melhor o sacramento da Reconciliação.

A doença do sentir-se imortal ou indispensável
«Uma Cúria que não faz autocrítica, que não se atualiza, que não procura melhorar, é um corpo doente». O papa recorda que uma visita aos cemitérios poderá ajudar a ver os nomes de muitas pessoas que «talvez pensassem que eram imortais, imunes e indispensáveis». É a doença daqueles que «se transformam em proprietários e se sentem superiores a todos, e não ao serviço de todos. Deriva muitas vezes da patologia do poder, do “complexo dos eleitos”, do narcisismo».
A doença da excessiva operosidade
Refere-se à que afeta quantos, como Marta na narrativa evangélica, «se imergem no trabalho negligenciando “a melhor parte”: o sentar-se aos pés de Jesus». Francisco lembra que Jesus «chamou os seus discípulos para “repousarem um pouco”, por negligenciar o necessário repouso conduz ao stress e à agitação».
A doença da petrificação mental e espiritual
Atinge aqueles que «perdem a serenidade interior, a vivacidade e a audácia, e se escondem sob os papéis», deixando de ser «homens de Deus» e revelando-se incapazes de «chorar com aqueles que choram e alegrar-se com aqueles que se alegram».
A doença da excessiva planificação
Ocorre «quando o apóstolo planifica tudo minuciosamente» e acredita que assim fazendo «as coisas efetivamente progridem, tornando-se assim um contabilista ou um comerciante. Preparar bem as coisas é necessário, mas sem nunca cair na tentação de querer fechar e guiar a liberdade do Espírito Santo. É sempre mais fácil e cómodo repousar nas próprias posições estáticas e imutáveis».
A doença da má coordenação
É contraída por aqueles que «perdem a comunhão entre eles e o corpo perde a sua harmoniosa funcionalidade», tornando-se «uma orquestra que produz barulheira porque os seus membros não colaboram e não vivem o espírito de comunhão e de equipa».
A doença do Alzheimer espiritual
Traduz-se num «declínio progressivo das faculdades espirituais», causando «graves deficiências à pessoa». Constata-se em que «perdeu a memória» do seu encontro com Deus, em quem depende das próprias «paixões, caprichos e manias», em quem constrói «em torno a si muros e hábitos».
A doença da rivalidade e da vanglória
«Quando a aparência, as cores das vestes e as insígnias honoríficas se tornam o objetivo primário da vida. É a doença que nos conduz a ser homens e mulheres falsos e a viver um falso “misticismo” e um falso “quietismo”.
A doença da esquizofrenia existencial
É a de quem vive «uma vida dupla, fruto da hipocrisia típica do medíocre e do progressivo vazio espiritual que láureas ou títulos académicos não podem preencher». Atinge muitas vezes aqueles que, «abandonando o serviço pastoral, se limitam às tarefas burocráticas, perdendo assim o contacto com a realidade, com as pessoas concretas. Criam dessa forma um mundo paralelo, onde colocam de parte tudo o que ensinam severamente aos outros», tendo uma vida «escondida» e frequentemente «dissoluta».
A doença dos boatos e dos mexericos
«Apodera-se da pessoa tornando-a “semeadora de cizânia” (como Satanás), e em muitos casos «homicida a sangue frio” da fama dos próprios colegas e confrades. É a doença das pessoas covardes que, não tendo a coragem de falar diretamente, falam por trás das costas. Guardemo-nos do terrorismo dos boatos».
A doença de divinizar os superiores
Infeta aqueles que «lisonjeiam os superiores», vítimas «do carreirismo e do oportunismo» e «vivem o serviço pensando unicamente no que devem obter, e não no que devem dar». São «pessoas mesquinhas», inspiradas exclusivamente «pelo próprio egoísmo fatal». Pode também atingir os superiores «quando lisonjeiam alguns dos seus colaboradores para deles obterem a sua submissão, lealdade e dependência psicológica, mas o resultado final é uma verdadeira cumplicidade».
A doença da indiferença em relação aos outros
«Quando alguém pensa só em si mesmo e perde a sinceridade e o calor das relações humanas. Quando o mais especialista não coloca o seu conhecimento ao serviço dos colegas menos especialistas. Quando, por ciúme ou por astúcia se experimenta alegria ao ver o outro cair, em vez de o levantar e encorajar.»
A doença da cara fúnebre
É contraída pelas pessoas «carrancudas e severas, para as quais ser sério implica pôr uma cara de melancolia, de severidade, e tratar os outros – sobretudo os considerados inferiores – com rigidez, dureza e arrogância». «A severidade teatral e o pessimismo estéril são muitas vezes sintomas de medo e de insegurança de si. O apóstolo deve esforçar-se por ser uma pessoa cortês, serena, entusiasta e alegre, que transmite alegria.» Francisco convida à boa disposição e à autoironia: «Quanto bem nos faz uma boa dose de bom humor saudável».
A doença do acumular
«Quando o apóstolo procura preencher um vazio existencial no seu coração acumulando bens materiais, não por necessidade, mas apenas para se sentir seguro.»
A doença dos círculos fechados
Quando a «pertença a um pequeno grupo se torna mais fácil do que a pertença ao Corpo, e, em algumas situações, ao próprio Cristo. Também esta doença parte sempre de boas intenções, mas como o passar do tempo escraviza os membros, tornando-se “um cancro”».
A doença do lucro mundano, dos exibicionismos
«Quando o apóstolo transforma o seu serviço em poder, e o seu poder em mercadoria para obter lucros mundanos ou mais poderes. É a doença das pessoas que procuram insaciavelmente multiplicar poderes, e, para esse efeito, são capazes de caluniar, difamar e desacreditar os outros, até em jornais e revistas. Naturalmente para se exibirem e demonstrarem-se mais capazes do que os outros.» Uma doença que «faz muito mal ao corpo porque conduz as pessoas a justificar o uso de qualquer meio para alcançar tal objetivo, muitas vezes em nome da justiça e da transparência».

Agencia Eclesia

A benção está na Oração 

sábado, 10 de janeiro de 2015

Miguel Torga e a criação da beleza

S. Martinho de Anta, 12 de Julho de 1969 - Sempre que venho por aí acima, começo a avistar o Marão e o Doiro, e me ponho a pensar na morte, o que mais me entristece é não poder deixar em testamento os olhos à filha.

Diário XI, 1973
Miguel Torga - A Criação do Mundo
https://www.facebook.com/pages/Miguel-Torga-A-Cria%C3%A7%C3%A3o-do-Mundo/231708357028803
Sem Torga e os seus olhos o Douro não teria a beleza que lhe é encontrada agora., enaltecida, como só ele o soube fazer. Não o foi na música, mas também o é na paleta do pintor e no registo fotográfico que deixa o testemunho indelével ao passar do tempo. Mas o que registo da paisagem esse mantêm-se ao longo das estações do ano. Dourado no outono. Frio, seco e escuro no inverno, apenas embranquece com o cair da neve e fica envolto numa capa branca de frio e solidão. Mas mal surge ao longe um sopro de primavera reaviva no rosto as cores saudáveis do verde e dos amarelos vivos, em contraste com o azul do céu e retoma i vigor da seiva, para no verão, imponente de cachos e de saúde deslumbrar para lá da visão que o olho humano alcança. É este o Douro que eu conheço, é este o Douro que eu amo.
@Maça de junho

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Aqui, deposta enfim a minha imagem,
Tudo o que é jogo e tudo o que é passagem,
No interior das coisas canto nua.
Aqui livre sou eu — eco da lua 
E dos jardins, os gestos recebidos
E o tumulto dos gestos pressentidos,
Aqui sou eu em tudo quanto amei.
Não por aquilo que só atravessei,
Não pelo meu rumor que só perdi,
Não pelos incertos actos que vivi,
Mas por tudo de quanto ressoei
E em cujo amor de amor me eternizei.
Sophia de Mello Breyner Andresen, in 'Dia do Mar'

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Natal em família

Um casal de aranhas planifica a quadra de Natal:
 -A minha mãe quer saber se vamos lá consoar.
-Temos mesmo que passar com eles?
-É a minha mãe…
-Pois sim, mas há coisas mais divertidas que uma família aos gritos, cheiro de fritos e um frio de rachar...
-Levas a tua teia e já não tens frio.
-Tás a gozar…
-Não, não estou, mas pensando melhor… vou sozinho.
-Hãaa??! E a minha prenda?

-Vai comprá-la! Feliz Natal! 

Desafio:
Uma história em 77 palavras sobre o natal de uma aranha
 publicado no blogue: históriasem77palavras.blogspot.pt


domingo, 4 de janeiro de 2015

Perdido lamento

Há códigos e condutas
Há coragem e dor
Impetuoso sofrer

Passou no momento
Nem abraço dei, nem recebi
Chorei de lamento

No pranto da dor, memória
No negrume da noite
A coragem perdi

Agora confesso
Não vivi, apenas sofri
Por um sonho perdido.

@Maça de junho










soneto do amor e da morte

quando eu morrer murmura esta canção 

que escrevo para ti. quando eu morrer
fica junto de mim, não queiras ver 
as aves pardas do anoitecer
a revoar na minha solidão.
quando eu morrer segura a minha mão,
põe os olhos nos meus se puder ser,
se inda neles a luz esmorecer,
e diz do nosso amor como se não
tivesse de acabar, sempre a doer,
sempre a doer de tanta perfeição
que ao deixar de bater-me o coração
fique por nós o teu inda a bater,
quando eu morrer segura a minha mão.
Vasco Graça Moura, in "Antologia dos Sessenta Anos"
03/Jan/1942 - 27/Abr/2014


sábado, 3 de janeiro de 2015

Verdade e Amor

Da verdade do amor se meditam
relatos de viagens confissões
e sempre excede a vida
esse segredo que tanto desdém
guarda de ser dito

pouco importa em quantas derrotas
te lançou
as dores os naufrágios escondidos
com eles aprendeste a navegação
dos oceanos gelados

não se deve explicar demasiado cedo
atrás das coisas
o seu brilho cresce
sem rumor

José Tolentino Mendonça, in "Baldios"
A verdade e o amor são indissociáveis. Se não houver verdade também já não é amor. Quando é amor é porque existe verdade, mesmo que haja dor, ausência, silêncio ou recolhimento. Existe verdade e essa permite outra alegria, talvez mais interior, menos exposta. É tão bom sentir esse amor dentro de nós. O amor que se guarda, que vai connosco sem exigências, nem  tumultos. Que vive no tumulto do nosso interior, que por vezes parece querer explodir. Depois, mais serenamente se acalma a dor e procura-se na luz do novo amanhecer que rompe encontrar o sinal. O sinal da verdade e da confissão. Que bom é amar! E guardar o segredo na ternura de um coração.
Bom Ano Novo e Bons sejam os amores de 2015
@Maça de junho

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

SÍSIFO

Recomeça…
Se puderes
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar
E vendo,
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.

Diário XIII - Antologia Poética, 2ª Edição, 1985


Foto: SÍSIFO

Recomeça…
Se puderes
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo 
Ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar
E vendo,
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.

Diário XIII - Antologia Poética, 2ª Edição, 1985

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